sábado, 29 de outubro de 2011

Curso ensina pastor a se tornar um empresário da fé

A cartilha dos grandes empresários diz que, para se dar bem nos negócios, é fundamental estar atento às mudanças na sociedade, empregar com eficiência a propaganda, estudar o público-alvo, cuidar bem dos funcionários e vigiar a concorrência. Pois essas regras também valem para os que desejam abrir a própria igreja evangélica, segundo um curso oferecido pelo Seminário Brasileiro de Teologia (SBTe).

Uma frase presente na apostila do "Curso de Formação de Pastor" dá o tom do seu conteúdo: "A igreja é uma empresa, e uma empresa difícil de ser conduzida, porque o seu estoque são almas".

Partindo da premissa de que os meios de comunicação transformaram a sociedade, o curso convoca os pastores a uma adaptação aos novos tempos: "As igrejas que não seguirem a cultura dos povos tendem a ficar vazias". A advogada e aluna do curso Laudicéia Koschitz, 39, concorda. Não acha errado, por exemplo, que as evangélicas se embelezem. "A mulher é uma obra maravilhosa de Deus e precisa se arrumar."
Hoje, diz o curso, o pastor deve ser "empreendedor, criativo, capaz de trabalhar em grupo e de liderar com visão global".

As igrejas pentecostais já parecem ter entendido. Em 2002, segundo pesquisa do Eseb (Estudo Eleitoral Brasileiro), seus seguidores já eram 11,1% do total da população, número quatro vezes maior que em 1980.
Para aproveitar esse crescimento vertiginoso, o curso lista atitudes que devem ser tomadas pelo pastor empreendedor (leia quadro ao lado). Antes de abrir uma igreja, por exemplo, ele deve estudar a região e o público-alvo. Se o local for pobre, ajudam a atrair gente a distribuição de lanches e o sorteio de cestas básicas.

Na Assembléia de Deus do Jardim do Apurá (zona sul de São Paulo), o fiel que fica até o fim do culto recebe um cachorro-quente. É importante ainda que o pastor seja "um ator, um dramaturgo" para "acomodar o povo, chamar a sua atenção e fechar a sua boca".
Para ser eficiente, ele é aconselhado a se alimentar bem e a se exercitar com musculação e corrida. Quando tiver de ministrar por tempo muito longo, deve evitar o sexo nos quatro dias anteriores.

Marcelo de Souza, 36, é um aluno que concorda com a importância do preparo físico. Se não jogasse futebol sempre que possível, talvez não conseguisse andar sem parar enquanto prega e nem ficar na ponta dos pés nos momentos mais dramáticos.Outro fator determinante para o sucesso é pregar conforme a vontade do público. Em geral, diz o curso, pessoas mais pobres tendem a gostar de "ver coisas sobrenaturais" (como sessões de exorcismo), de dançar, cantar e ouvir o pastor falar em línguas estranhas (glossolalia). Também se deve empregar o maior número possível de fiéis na igreja. "Os que participam e se sentem valorizados não migram para outra igreja, pagam o dízimo todo mês e trazem a família e amigos para vê-los."

"O curso se vale dos melhores textos da área de administração e ensina recursos que uma empresa moderna utiliza para se manter competitiva num mercado globalizado", diz o coordenador do MBA de Marketing da Fia (Fundação Instituto de Administração), Dilson Gabriel dos Santos.

Para o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (Universidade de São Paulo) Antônio Sauaia, o curso ensina uma técnica utilizada por empresas de produtos de consumo, que atraem o consumidor por meio de vendedores que vivem no mesmo bairro dele.

Administração eclesiástica
A apostila é dividida em cinco módulos. Os quatro primeiros, com 75 páginas, tratam da legislação sobre a prática religiosa (como obter subvenções do poder público, por exemplo), das diferenças entre as principais correntes evangélicas, da importância do emprego de técnicas de oratória na pregação e de como convencer os fiéis a pagar o dízimo.

O quinto e maior, com 63% do total de páginas, é intitulado "Administração Eclesiástica". Nele, são indicados "projetos para multiplicar a quantidade de membros, templos e de caixa da igreja a cada 90 dias". O curso pode ser encomendado pela internet (www.cursodepastor.com.br) ou por telefone, custa R$ 450 e deve ser feito por correspondência em prazo estipulado de 90 dias.
Ao seu final, o aspirante a pastor deve enviar por correio à instituição, que tem sede em Ituiutaba (MG), as respostas a um questionário que fica nas últimas páginas da apostila. Se aprovado, ganha um diploma e uma carteirinha que, segundo o SBTe, "pode ser aproveitada em qualquer das diferentes denominações de igrejas evangélicas".

O guru dos pastores
O pastor Omar Silva da Costa, 49, é o criador deste e de outros 17 cursos por correspondência também oferecidos pela internet. Os mais caros, chamados de "Bacharelado em Teologia Eclesiástica", "Mestrado em Bíblia" e "Doutorado em Divindade", custam, respectivamente, R$ 750, R$ 1.050 e R$ 1.350. Todos também têm duração de 90 dias e dão direito a carteirinha e diploma "para enriquecer o currículo".

"Decidi oferecer os cursos assim, por correspondência, porque muita gente não tem condições de pagar escolas caras e passar quatro ou cinco anos estudando até se tornar pastor. Além disso, não há escolas de teologia em todas as cidades brasileiras." Segundo Costa, o curso de formação de pastor, oferecido desde fevereiro deste ano, já foi vendido a mais de 500 pessoas --se o número estiver correto, as vendas já renderam R$ 225 mil, pelo menos. A procura tem sido tão boa que, no curso, ele prevê: "Em pouco tempo vai haver nas faculdades cursos de administração de igreja, como já há de administração hospitalar".

fonte: folha

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O Anti-semitismo na história II - Os judeus no espaço alemão

Jerusalém aspecto atual
1. OS JUDEUS NO ESPAÇO ALEMÃO
Maria Gil de souza
1.1. A DIÁSPORA
A história dos Judeus é constituída por uma série de migrações. Inicia-se na Palestina, ou como os Judeus hoje designam, Eretz Israel. Sob o domínio romano foram expulsos da Palestina no ano de 135 d.C.1 e estabeleceram-se como comerciantes no antigo Império Romano2.


Devido ao anti-semitismo, fenómeno de longa data, cujas manifestações e motivos têm variado, consoante a época e o local, os Judeus mantiveram-se unidos durante séculos por uma crença e uma tradição comuns.
Nos primeiros séculos depois de Cristo, os Judeus chegaram à Europa Central, que viria a constituir o espaço geo-político que é a Alemanha de hoje, via Galileia3. Estava-se ainda sob o domínio romano. Nas margens do Reno e do Danúbio, em Mainz, Speyer, Worms, Trier, Augsburg e Regensburg existiam colónias judaicas, onde viviam comerciantes e artesãos. Os Judeus já constituíam um povo, antes que os alemães tivessem começado a sê-lo4. Com efeito, o espaço físico alemão era alvo de constantes invasões e perseguições. As primeiras referências que temos relativamente aos povos que habitaram o solo alemão datam de 44 a.C. e falam de um povo guerreiro a quem Júlio César e o seu historiador Tácito deram o nome de Germanos. Estes eram uma fusão de Godos, Vândalos e Bardos. O solo alemão é depois invadido pelos Romanos, Hunos, Saxões, Bávaros e Alemânicos. Só a partir do século IX é que se começa a formar o Império Alemão. Cerca do ano 900, os Judeus estavam envolvidos no comércio com a Boémia. Ao contrário dos Cristãos, que eram maioritariamente agricultores, os Judeus viviam do comércio. Os soberanos queriam usar o comércio para engrandecer o seu poder e prometiam aos Judeus protecção, em troca de altos impostos. Este "privilégio" fez dos Judeus um povo dependente da vontade dos soberanos.
Na Idade Média, os Judeus eram comerciantes, artesãos, médicos ou estudavam o Talmude. Evitavam a ordem do sistema feudal, que não admitia não-Cristãos. Exigiam a santificação do Shabbat5 e a educação dos seus filhos. Os Judeus eram ainda usurários6. Reis e bispos protegiam a vida económica das comunidades judaicas, pois, muitas vezes, delas dependia a sua subsistência.
A partir de final do século XI, existiam diversas judiarias na Alemanha. Situavam-se perto dos mercados ou dos burgos. Apenas no século XIV, após os terceiro e quarto concílios (1179 e 1215, respectivamente), os Judeus se isolam da população. Só nesta época é que surgem as judiarias com muros e portões7. O anti-semitismo chega à Alemanha, via França. No concílio de Clermont (1095) o Papa Urbano II convoca a primeira cruzada para a libertação da Terra Santa.
No ano seguinte iniciam-se as cruzadas. O seu lema era "Quem matar um Judeu, obterá perdão pelos seus pecados" (Kampmann, 1979:16). Existem crónicas judaicas que relatam massacres nas zonas de Speyer, Worms, Mainz, Trier e Köln. Por toda a Europa havia um sentimento de inveja relativamente à boa situação financeira dos Judeus. Sucedem-se os pogroms8 em vários países. Apenas os bispos tentam ajudar os Judeus (por terem interesses económicos na existência de comunidades judaicas, como já foi referido). Era facultado o baptismo aos Judeus, numa tentativa de evitar o seu suicídio em massa.
A segunda cruzada (1146) não teve consequências tão trágicas para o povo judeu, sendo este, contudo, obrigado a pagar pesadas multas. O Nürnberger Memorbuch documenta que foram perseguidas e exterminadas cento e quarenta e seis comunidades judaicas.
Os Judeus eram ainda considerados responsáveis pelas epidemias que grassavam na época. Em 1348/49, a Peste Negra chega ao Sul da Alemanha, via Suíça, proveniente do Sul de França. Os Judeus foram acusados de terem envenenado um poço9. A população manifesta-se fanaticamente contra os Judeus, sendo muitos queimados nas suas casas. Cemitérios são profanados e os Judeus não têm qualquer protecção.
No decorrer dos séculos XV e XVI, as comunidades judaicas são expulsas de todas as grandes cidades do Império. Em alguns casos era-lhes permitido permanecer na cidade pagando imposto (quando interessava ao Estado). Alguns soberanos reconheceram que a capacidade intelectual dos Judeus podia ser aproveitada para melhorar a economia. Deste modo, as famílias mais abastadas foram autorizadas a ficar nas grandes cidades. A maior parte, porém, não o conseguiu.
Às portas das cidades os Judeus eram contados como gado. As leis vigentes eram bastante restritivas e dificultavam o seu relacionamento com os Cristãos. Os Judeus tinham que se fazer reconhecer através de um sinal amarelo no casaco ("Judenfleck"), no caso dos homens; as mulheres eram obrigadas a usar um véu com riscas azuis10. Os Judeus aceitam estes ataques passivamente, isolando-se gradualmente.
Martinho Lutero condenou o anti-semitismo numa primeira fase. Em 1523, escreve um panfleto afirmando que Jesus Cristo havia nascido judeu, censurando a Igreja pelo seu comportamento anti-semita. Com esta atitude, esperava a conversão dos Judeus. Como estes recusaram, Lutero ataca-os produzindo diversos escritos anti-semitas, como "Wider die Sabbater" [Contra os defensores do Shabbat] (1538) e "Von den Juden und ihren Lügen" [Sobre os Judeus e as suas Mentiras] (1543), onde incitava os Cristãos a queimar Sinagogas e a destruir as casas pertencentes às comunidades judaicas.
No entanto, a Reforma de Martinho Lutero acaba por ter um desenvolvimento positivo para os Judeus. Antes de Lutero, toda a Europa estava unida numa Igreja Cristã, constituindo os Judeus o maior grupo religioso exterior à Igreja. Com a quebra da unidade cristã desenvolvem-se diversos grupos religiosos na Europa. Tal facto contribui para a existência de uma maior tolerância, uma vez que os vários grupos religiosos reconhecem a necessidade do pluralismo. Além disso, inicia-se uma fase dominada pelo Humanismo, que defendia a igualdade de religiões11.
Antes de 1600, Judeus portugueses abastados instalam-se em Hamburgo, fundando bancos e possuindo filiais no Ultramar. Estes Sefardim12 constituíram uma aristocracia fechada, relativamente aos Ashkenazi, e não foram expulsos da cidade.
A maior parte dos Judeus vivia em Ghettos. O Ghetto de Frankfurt existiu até 1796. Em cada Ghetto existia um sistema de leis elaborado pelos Rabis13. Estas leis eram baseados nos preceitos religiosos. Sob o isolamento exterior, reforçava-se a união interior, com base nas normas sociais e éticas.
Os Judeus encontravam-se regularmente na Sinagoga. O estudo diário da Torah era obrigatório. Todo o tempo livre dos Judeus era consagrado ao estudo, tendo o Rabi uma função de orientador. Entre o povo judeu houve sempre uma valorização dos estudiosos. O nível de alfabetização era bastante alto mesmo nas camadas socialmente inferiores.
Apesar do seu sofrimento, os Judeus mantém-se fiéis à sua fé, acreditando que as leis de Deus foram feitas para eles. O estudo de textos hebraicos era iniciado na infância. Na Sinagoga estuda-se a Lei de Deus (Torah). A Sinagoga funciona ainda como ponto de encontro.

Na Europa, muitos Judeus falavam iídiche [Jiddisch], uma língua baseada no Alemão, no Hebraico e nas línguas eslavas14.
Depois de anos de isolamento, termina a Idade Média e inicia-se a "Idade Burguesa". Muitos Judeus saúdam a emancipação e tentam integrar-se no seu meio. Para muitos foi a desilusão: para obter a igualdade, era necessário abdicar dos seus costumes religiosos. Alguns estados recusaram-se a dar a igualdade aos Judeus, embora, mais tarde, fossem obrigados a concedê-la.
O número de Judeus na corte aumenta nos séculos XVII e XVIII. Cria-se uma espécie de aristocracia judaica privilegiada que influenciava com a sua riqueza. Nestas condições, a geração seguinte torna-se detentora dos grandes bancos. É paradoxal o facto de o Estado Absolutista conceder posições importantes a uma minoria de Judeus, enquanto a maioria vive sob más condições. Entre 1700 e 1750 houve quatro Generalreglements para os Judeus na Prússia até ao édito de emancipação, em 1812 . Em 1714, um Judeu "protegido" consegue a protecção para os seus três filhos. Em 1730, o número máximo de filhos a proteger é fixado em dois. Os outros terão que migrar mal atinjam a maioridade. Os funcionários públicos não podem casar. Estas determinações tornam-se mais restritas em 1750, com Frederico, o Grande. Nesta época, os Judeus só podem proteger um filho (nas famílias abastadas, o segundo e terceiro filhos ainda podiam ser protegidos, mediante a entrega de 10 000 Taler. Quando, em 1763, a caixa do Estado estava esgotada, o segundo filho passa a ter um valor de 70 000 Taler). Estas leis foram bem estruturadas, de modo a que o número de famílias protegidas não aumentasse15.
A emancipação dos Judeus inicia-se com a Revolução Francesa, sofrendo uma regressão um século e meio mais tarde, com a maior catástrofe para o povo judeu. Na época absolutista os Judeus constituíam uma minoria no Sacro Império Romano-Germânico. Estavam excluídos da produção de bens materiais, não podendo trabalhar a terra nem sendo aceitos em oficinas. No entanto, tinham algumas funções económicas importantes no campo da agricultura e da indústria. Havia pequenos grupos de usurários, e até de penhoristas, direito que era concedido às classes mais abastadas. Com esta situação os príncipes recebiam altos impostos. Expulsos da comunidade cristã, não só como "matadores de Cristo", mas como concorrentes à Burguesia, os Judeus encontravam refúgio e consolo na fé dos seus pais. A segurança da comunidade, que era obrigada a ajudar todos os seus membros a nível financeiro, e as suas tradições religiosas e culturais, constituem as causas da sua identificação como Judeus. E, se os Rabis eram responsáveis por criar leis da comunidade, eram os Cristãos que ditavam os regulamentos que comandavam a vida dos Judeus até à morte, estando tudo regulamentado: o número de Judeus, os locais onde eram autorizados a viver, as entradas e saídas da comunidade, o número de filhos que se podiam casar, entre outros16.
Em 1750, Frederico II da Prússia editava o "Generalreglement" para Judeus, que os dividia em seis grupos e os tratava como objectos. Com efeito, apenas o primeiro grupo, composto pelos Judeus mais ricos, possuia os "privilégios gerais", estando em igualdade de circunstâncias com os comerciantes cristãos. A este grupo pertencia uma minoria de Judeus, estando entre eles o banqueiro Veitel Ephraim, que financiara grande parte da Guerra dos Sete Anos a Frederico II. O banqueiro teve inclusive autorização para construir um palácio em Berlim.
A partir daqui, os privilégios vão diminuindo consoante as condições económicas de cada grupo. Os "Judeus ordeiros protegidos" e os "Judeus protegidos extraordinários", que constituíam o segundo e terceiro grupos, não podiam eleger o local onde iam habitar. Este estatuto não podia ser herdado, (tal como acontecia no primeiro grupo). No caso do segundo grupo, apenas nas duas gerações seguintes poderia ser herdado, sendo que na primeira geração eram pagos 1 000 Taler e na segunda, 10 000. No terceiro grupo, este privilégio era concedido a uma única pessoa, após a sua morte. Toda a família era excluída. Pertenciam a este grupo, médicos, pintores, ópticos e gravadores de cobre.
O quarto grupo compreendia os funcionários da comunidade judaica. Em Berlim eram um Rabi, dois cantores, seis coveiros, três talhantes, três padeiros, um médico e dois tipógrafos. Não podiam ter qualquer tipo de comércio ou indústria, tendo este estatuto enquanto funcionários.
O grupo mais penalizado era o quinto, no qual se incluíam os filhos dos protegidos que não herdavam o estatuto dos pais. Estes não podiam ser comerciantes nem artesãos.
Finalmente, o último grupo, constituído pelo pessoal de serviço dos Judeus privilegiados. Não podiam casar, e só podiam ficar na cidade enquanto os seus patrões nela permanecessem. (Grab, 1991:11/12).
Trata-se, pois, de uma lei altamente discriminatória, em que apenas o grupo dos Judeus com mais posses é favorecido, novamente por interesses económicos. Não obstante, é aceito pelos Judeus, passivamente.
Já se vivia a época da Aufklärung [Iluminismo], e há alguns protestos contra esta submissão legislada. Um destes protestos surge pela voz de Lessing (em 1749 escreve a peça Die Juden [Os Judeus]). Este escritor, que estabeleceu as bases do teatro alemão, era amigo pessoal de Moses Mendelssohn, que, sendo seguidor das leis religiosas, foi influenciado pela tolerância da Aufklärung. A idealização do Homem, como ser de iguais direitos, independentemente da sua religião, é focada por Lessing, na sua peça Nathan, der Weise (1779), com a parábola dos anéis, na qual um homem ao saber que se aproxima a hora da sua morte, e tendo apenas um anel muito valioso, manda fazer duas imitações do mesmo anel. Os três filhos não conseguem descobrir o anel verdadeiro, chegando a uma conclusão: "Der echte Ring vermutlich ging verloren" [Provavelmente, perdeu-se o anel verdadeiro] (1965:75). Esta afirmação vem contradizer a frase proferida anteriormente por Saladin: "Nathan: "Ich bin ein Jud'" [Eu sou judeu] Saladin: "Und ich ein Muselmann. Der Christ ist zwischen uns. - Von diesen drei Religionen kann doch eine nur die wahre sein." (1965:69) [E eu muçulmano. Entre nós está o cristão. - E, no entanto, destas três religiões, só uma pode ser verdadeira.]
Não existe uma religião verdadeira. Se existiu, ficou diluída com o passar do tempo. O próprio enredo da peça, no qual algumas figuras recebem uma educação diferente da que teriam segundo o grupo étnico a que pertencem, mostra que não existem diferenças entre o ser humano.
Neste cenário onde a tolerância tem um papel importante, Mendelssohn vê a sua hora para libertar os Judeus do seu isolamento forçado e conceder-lhes os mesmos privilégios dos Burgueses. Defende a causa da emancipação judaica no seu trabalho: Jerusalem, oder über religiöse Macht und Judentum [Jerusalém ou sobre o poder religioso e o Judaísmo], em 1783. Mendelssohn torna-se a figura simbólica do pensamento iluminista, combinado com a tradição judaica, chegando a ser apelidado pela comunidade judaica de "o novo Moisés"17.
A Academia das Ciências Prussiana sugere a aceitação de Mendelssohn como membro, pelo seu trabalho Phaedon oder die Unsterblichkeit der Seele [Fédon ou a Imortalidade da Alma] (1767). O rei Frederico II recusa. Face a esta situação, Mendelssohn comenta: "Besser als wenn der König mich gewählt, die Akademie aber mich nicht bestätigt hatte" [Antes assim, do que se o rei me tivesse escolhido e a Academia recusado] (apud Grab 14/15). Apesar de ser uma figura notável, Moses Mendelssohn pertencia ao grupo dos "Judeus protegidos extraordinários". Após a sua morte, em 1786, a sua família só por um Gnadenerweis foi autorizada a ficar em Berlim. Desde 1870 que esta separação entre Judeus e Cristãos não existia segundo a lei, no entanto, continuava a ser posta em prática. O imperador da Áustria, José II, aceitou as teses de Lessing, uma vez que estavam de acordo com os seus interesses. Procede a diversas reformas que reforçam o seu poder absolutista entre 1782 e 1789, emitindo seis patentes de tolerância para os Judeus. Estas patentes davam autonomia aos Rabis, permitiam aos Judeus frequentar escolas até aí unicamente frequentadas por Cristãos, e abriam as portas a profissões até aí proibidas a Judeus, estabelecendo também a obrigatoriedade do serviço militar. A Aufklärung toma na Áustria o nome de Josefinismo. A 2 de Janeiro de 1782 é posto em prática o Toleranzedikt de José II, cuja palavra-chave era "Gleichberechtigung" [Igualdade de Direitos]. José II era católico, e baseou as suas resoluções nos valores cristãos. A partir daqui, os Judeus podem sair do Ghetto sem precisar de colocar o "Judenfleck". Alguns Judeus estabelecem-se, pela primeira vez, na agricultura (até aí os Judeus eram essencialmente comerciantes e usurários). Em 1871, é editado o livro Über die bürgerliche Verbesserung der Juden [Sobre a Melhoria da Cidadania Judaica], por Christian Wilhelm von Dohm, o que demonstra alguma preocupação por parte da população em resolver a questão judaica. Os Judeus foram obrigados a adaptar nomes de família alemães, muitos destes criados para o efeito no intuito de troçar deles18. Além dos nomes, também os serviços religiosos deveriam ser conduzidos em alemão, e não em hebraico. Estas reformas foram mal recebidas não só pela população em geral como pela ortodoxia judaica. O imperador tinha mais interesses do que humanidade. As patentes continham inúmeras excepções, continuando os Judeus a ser prejudicados relativamente ao resto da população. Nada muda, a não ser a lei. Esta situação viria a sofrer um avanço com a Revolução Francesa e um novo retrocesso sob o domínio napoleónico, que justificava o anti-semitismo biologicamente19. A Christlich-Deutsche Tischgesellschaft de 1811, da qual faziam parte Johann Gottlieb Fichte, Clemens Brentano e Friedrich Schleiermacher, continha nos seus estatutos um "Arierparagraph", segundo o qual não eram admitidos Judeus.
De modo a ultrapassar a hegemonia francesa, procedem-se a várias reformas, sendo que a última, de 11 de Março de 1812, confere plena autonomia às comunidades judaicas, dando também aos Judeus o direito de voto. Os Judeus têm também os mesmos deveres do resto da população. Todavia, são-lhes ainda vedados a Justiça e o Funcionalismo Público20. Dez anos mais tarde haverá novo retrocesso. O estado conservador considera-se cristão, e se os Judeus que não aceitam Jesus Cristo não deverão ter qualquer autoridade. Os Judeus são forçados a baptizar-se para poderem continuar a exercer algumas actividades21.

Após o Congresso de Viena (1815), a emancipação dos Judeus não se fazia ver. Em 1819, ano de crise económica, houve algumas manifestações de anti-semitismo em Franken, Hessen e Baden.
Judeus intelectuais fundam a "Verein für Kultur und Wissenschaft des Judentums" [União Judaica para a Ciência e Cultura] em Berlim. Começa a haver alguma aproximação entre Judeus e Não-Judeus.
Na constituição de 1849 separa-se o direito da religião. A 28 de Agosto de 1849, a questão judaica é debatida no Parlamento. Dizia o artigo II: "Jeder Deutsche hat das Deutsche Reichsbürgerrecht" [Todo o Alemão tem o direito à cidadania alemã] (Constituição de 1849). Os Judeus austríacos tinham o direito à cidadania, podendo construir as suas casas. Estavam, contudo, ainda excluídos da função pública. Finalmente, em 1860, são autorizados a possuir oficinas e indústrias.
Professor ensinando alunos Polônia 1924
Existiu uma grande diferença neste desenvolvimento na Alemanha e na Áustria. Viena foi várias vezes um centro importante para os Judeus, onde se encontravam vários rituais e costumes. Havia Judeus ortodoxos e progressistas, uma comunidade ashkenazi e uma sefardita (turca)22. Stefan Zweig refere a esse respeito: Es war wundervoll hier zu leben, in dieser Stadt, die gastfrei alles Fremde aufnahm und gerne sich gab" [Era maravilhoso viver aqui nesta cidade que recebia os estrangeiros de forma hospitaleira e a eles, de bom grado, se entregava] (1979:47). Na Áustria, os Judeus constituíam 4,5% da população, e 10% da população vienense. No final do século passado, a comunidade judaica desempenhou um importante papel na história cultural vienense. Os Judeus dominam a Imprensa, o Teatro e a Literatura. Inicialmente, os Judeus austríacos eram os que fugiam da shtetl23, mas, em breve, conquistaram um lugar na sociedade. Mais tarde, os seus filhos fundaram jornais e revistas. A burguesia judaica controlava Viena. Ainda que para a maior parte a religião não tivesse qualquer sentido (muitos Judeus vienenses eram convertidos), a maior parte orgulhava-se da sua origem judaica. Vivia-se uma altura em que a ciência atingia o seu auge e os Judeus tinham conseguido um lugar em todos os campos: Sigmund Freud, na Psicologia, o Wiener Kreis [Círculo de Viena], na Política, Carl Menger, na Economia, Arthur Schnitzler, Hugo von Hofmannstahl e Hermann Bahr, na Literatura, Arnold Schönberg e Gustav Mahler, na Música.Na Universidade de Viena os Judeus constituíam um terço da população, optando pelos cursos de Medicina, Direito e Filosofia. Entre os professores da Faculdade de Medicina, mais de metade era de origem judaica24.
A libertação do cativeiro judaico foi um longo processo que demorou duas gerações, desde os ao século XVIII até aos anos 60 do século XIX
Como já foi mencionado, era na vida cultural que mais se realçava o domínio dos Judeus. O feuilleton estava na moda. Os Salons e as Coffee Houses eram frequentados por Judeus. Em suma, os Judeus constituíam a official inteligentsia e a liberal inteligentsia. (Beller, 1996:41). Existia uma certa simbiose cultural entre Judeus e Não-Judeus. Os Judeus forneceram vida cultural à cidade de Viena, da qual eles usufruíam. Por seu lado, o contacto com Não-Judeus possibilitou-lhes a experiência de um novo tipo de vida, e a possibilidade da assimilação.
Esta simbiose não era, no entanto, perfeita, uma vez que o anti-semitismo, sendo mais encoberto na Áustria do que na Alemanha, existia também. Karl Lueger, Presidente da Câmara de Viena desde 1897, assumiu publicamente o seu anti-semitismo. Porém, a utilidade dos Judeus na vida social e cultural de Viena era tal que Lueger afirmaria: "Wer ein Jude ist, bestimme ich" [Eu é que determino quem é judeu], denotando esta afirmação a hipocrisia que envolvia o anti-semitismo.
Arthur Schnitzler relata que apenas sentiu o anti-semitismo já adulto, na Universidade, ao cumprir serviço militar, e, mais tarde, na Ordem dos Médicos, em que os Judeus provenientes da Hungria começam a ser afastados. As suas obras Der Weg ins Freie, (1908) e Professor Bernhardi (1912) focam este problema.25
Também a comunidade judaica de Praga tem tradições bastante fortes. Já no século XVI tinha a sua própria bandeira com a estrela de David. "Prag ist nicht nur Schnittpunkt dreier Kulturen - der jüdischen, der tschechischen und der deutschen - sondern gleichzeitig Zentrum einer der bedeutendsten jüdischen Gemeinden Europas" [Praga não é apenas ponto de intersecção entre três culturas: judaica, checa e alemã - mas simultaneamente centro de uma comunidade judaica, das mais representativas da Europa] (von Glasenapp, 1996:135). Os Judeus de Praga dedicavam-se exclusivamente ao artesanato, principalmente à ourivesaria, ao contrário dos Judeus de Viena que eram, inicialmente, usurários ou camponeses.
Na Áustria eram muitos os Judeus baptizados que optavam mais tarde pelo Cristianismo, temendo-se que, assim, os Judeus da província perdessem orientação religiosa. Esta situação foi alterada com a construção de uma Sinagoga e de várias escolas religiosas (1825/26) na Seitengasse, que se tornou um importante centro de cultura judaica. Nesta época de florescimento cultural, os Judeus eram parte integrante da cultura. Desponta a imprensa judaica; é a época da Haskala (Aufklärung judaica), nascida em Berlim.
Em 1848, as gerações mais novas estão prontas a lutar pelos valores da liberdade e igualdade. O dia 13 de Março de 1848 viu judeus no centro da Revolução. Exigiam liberdade de imprensa.
A reacção neo-absolutista à Revolução de 1848/49 obrigou os Judeus a uma reflexão. Tinham um árduo caminho a percorrer até à igualdade. Lentamente vão ganhando território. Com a emancipação da Burguesia, a igualdade torna-se realidade. Como já foi referido, o Liberalismo fez da Áustria a pátria espiritual dos Judeus. Estes movimentam-se em direcção às grandes cidades. Em poucas décadas a população judaica aumenta. Está dividida em liberais e ortodoxos. A nível académico, abrem-se agora muitas portas aos Judeus, optando a maior parte pela Medicina e pelo Direito. Desde a época liberal, existe já na Áustria uma série de jovens autores que renova a literatura austríaca, assim como jornalistas, que viam no seu trabalho uma forma de expressão.
Nos Países Baixos, Estados Unidos da América e França assiste-se a um processo de democratização que dá aos Judeus plena igualdade de direitos e os procura integrar na sociedade26 .

Na Alemanha existia o "Taufzettel", ou como afirmava Heinrich Heine, o "bilhete de entrada na cultura europeia" (apud Wiebel s/d : 8). O baptismo foi a solução para muitos Judeus (permitindo-lhes estudar nas universidades e tomar parte na vida pública em geral), sendo o Cristianismo apenas aparente, pois, mudando a religião, os Judeus não mudavam a sua ascendência étnica. Existe, por parte da população, um medo generalizado de que os judeus dominem toda a economia, uma sensação de "Verjudung des liberalen Systems" (Lohrmann in Thalmann, 1990:21). Esta é a época dos "Berliner Salons" (1800 - 1846), que constituem um refúgio onde se podia esquecer a monotonia da cidade de Berlim. Frequentavam-nos os intelectuais: professores, comerciantes, funcionários, contabilistas e estudantes. No entanto, esta foi uma moda que durou pouco tempo. O final dos salões marca o final de uma época para a mulher judia que, muitas vezes, tinha que optar entre a sua comunidade e o seu casamento. A assimilação trazia a tensão entre dois pólos distintos: a manutenção da identidade judaica e a integração na sociedade não judaica.
A industrialização dos anos 50 e a conjuntura que se instalou em 1857 levaram a um fortalecimento da Burguesia, que exigia poder político. Na Áustria, os Liberais alcançam maioria absoluta, sendo alguns Judeus eleitos para o Parlamento. A partir daqui, os Judeus têm plena igualdade de direitos. Parecia resolvida a questão dos Judeus, todavia, esta igualdade de direitos não foi resultado da herança de 1848. A religião judaica era tolerada nas não reconhecida publicamente27. O editor Ludwig Philippson afirmava no seu jornal Allgemeine Zeitung des Judentums [Jornal dos Judeus], que havia uma religião considerada "estatal". E entre os Cristãos o anti-semitismo era algo natural: os Judeus eram os matadores de Cristo. O movimento literário do Romantismo exaltava o sentimento patriótico, redescobrindo os heróis da mitologia germânica, onde não há lugar para os Judeus. É neste contexto que a imprensa racista encontra eco favorável. São editados jornais de cariz anti-semita, que, no entanto, não têm grande tiragem. Com uma grande tiragem, a revista Gartenlaube mostra os Judeus como "não alemães".
A discriminação dos Judeus torna-se uma arma política; em épocas de crise, eram apontados como bode expiatório. Aconteceu na grande depressão dos anos 70, na política guilhermina de 1896 (com a crise económica que termina com os "Gründerjahre") e após a Primeira Guerra Mundial. Épocas em que o anti-semitismo era mais disfarçado alternavam com períodos de crise económica, onde a falta de tolerância era maior.
Os Judeus mantiveram-se marginais. Sabiam que viviam num país onde não eram desejados. A nível económico foram os pioneiros da modernização, salientando-se as editoras de Leopold Ullstein e Samuel Fischer, e a firma de Rathenau, Allgemeine Elektrizitätsgesellschaft -AEG.
Como havia ainda muitos cargos vedados aos Judeus, estes enveredavam pela vida artística, pelo teatro ou imprensa (são editados jornais em alemão e hebraico). Para além das profissões de médico e de advogado, a maior parte da população judaica optava por seguir carreira como banqueiro, editor, regisseur, actor, jornalista ou crítico. Apesar da população judaica não ultrapassar o 1%, cerca de 10% dos estudantes em escolas e universidades eram Judeus. Espelha-se assim a imagem do Judeu estudioso e letrado. Para eles (Burguesia), assegurar o futuro dos filhos era mais importante do que bens materiais.
Adolf Stoecker, da corte de Guilherme I, acusa os Judeus de culpados pela crise económica, e afirma serem eles os conspiradores da Revolução e os destruidores dos valores cristãos. Simultaneamente, rebentam as ideias darwinistas, fazendo apologia da lei do mais forte. Stoecker procede a uma petição para proibir os Judeus de serem professores e juízes, que apenas é recusada por razões formais, uma vez que ia contra a constituição. Esta propaganda anti-semita ligava o Judaísmo ao Liberalismo e Socialismo, e teve uma forte adesão por parte dos pequenos artesãos, que, com a Revolução Industrial, tinham visto piorar as suas condições de vida. Todavia, houve setenta e seis pessoas, entre elas professores universitários, que comentam esta situação com:"der Rassenhaß und der Fanatismus des Mittelalters [wird] wieder ins Leben gerufen und gegen unsere jüdischen Mitbürger gerichtet wird" [O racismo e o fanatismo da Idade Média está a voltar ao de cima e a direccionar-se contra os nossos cidadãos judeus] (Henryk, 1986:197). Stoecker teve como aliado o historiador Heinrich von Treitschke, que considerava os Judeus social-democratas "orientalischer Chorführer des Umstürzes" [dirigentes orientais do coral da revolução] (apud Grab, 1991:31). A ele se deve a frase "Die Juden sind unser Unglück" [Os Judeus são a nossa desgraça], que seria aproveitada pelos Nacional-Socialistas. Quando o movimento anti-semita ganha força, nos anos 80, surge uma nova "ciência" que justifica o anti-semitismo. Richard Wagner publica em 1850 Das Judentum in der Musik. Primeiro, como anónimo, só em 1869 com o seu nome. Wagner caracteriza o Judeu como parasita, não criador, incapaz de se mover em palco. Esta publicação surtiu grande efeito.
Em 1855 e 1864 saem os romances de Gustav Freytag, Soll und Haben, e de Wilhelm Raabes, Hungerpastor, onde o Judeu é apresentado como um homem pequeno e mesquinho28. Na mesma altura é publicado o ensaio de Gobineau, "Essai sur l'Inegalité des Races Humaines". Eugen Dühring desenvolve nos anos 70 uma "Wirklichkeitsphilosophie", "baseada" nas ciências exactas, justificando "naturalmente" a soberania do povo germânico com mitos e lendas, onde descreve os Judeus como "ein inneres Karthago" (apud Kampmann, 1979:300). Deste modo, não podem ser integrados na cultura europeia.
No Império Austro-Húngaro (1866), o anti-semitismo ganha adeptos, não só entre a pequena burguesia, como também entre os Liberais, que temiam o domínio do império alemão. Voltam as perseguições, sobretudo aos Judeus assimilados. Criam-se organizações políticas, como a "Deutsche Handlungsgehilfenverband" e a "Alldeutsche Verband", que continham nos seus estatutos parágrafos "arianos". Estes parágrafos faziam também parte dos estatutos das associações de estudantes.
Do outro lado, funda-se o "Verein zur Abwehr des Antisemitismus", por Não-Judeus, cuja finalidade era mostrar à população que os preconceitos anti-semitas não tinham qualquer fundamento. Publica "Antisemiten-Spiegel", em oposição aos "Antisemiten-Kathecismus": "Wieviel Juden gibt es? (...) etwas mehr als eine halbe Million unter 51 Millionen Deutschen (...). Wenn man die Antisemiten hört, so müßte man glauben, das Deutsche Reich, ja ganz Europa wäre in Gefahr, von dem Juden überschwemmt und zerdrückt zu werden. Überall sieht der Antisemit den Juden und seine Macht. Das mächtige Deutsche Reich, so stolz in Wehr und Waffen - es soll wehrlos geworden sein gegenüber den Juden" [Quantos Judeus existem? Um pouco mais do que meio milhão, para 51 milhões de alemães. Quando ouvimos os anti-semitas, quase acreditaríamos que o Império Alemão e até toda a Europa estaria em perigo de ser inundada pelos Judeus e esmagada por eles. O poderoso Império Alemão, tão orgulhoso nas suas armas e defesa - fica indefeso perante os Judeus] (apud Henryk, 1986:189). Não foi bem sucedida. Os Judeus criam então o "Zentral-Verein deutscher Staatsbürger jüdischer Glaubens", em 1893, quando 16 deputados anti-semitas entram para o Parlamento29. O seu objectivo era lutar através da palavra pela verdade.
É este o cenário que se observa no território alemão quando surgem Theodor Herzl e o movimento sionista.

2. A PROCURA DE UMA PÁTRIA
2.1. O SIONISMO
No final do século passado, Theodor Herzl crê ter descoberto a solução para o povo judeu, relativamente à convivência com outros povos que não desejam a sua integração. A tradicional passividade judaica é quebrada por Herzl, que se torna porta-voz do movimento sionista, defendendo um regresso incondicional à Palestina.
O Sionismo esteve sempre ligado a Jerusalém. Após a derrota da guerra de Bar Kochba, em 135 d.C., os Judeus foram proibidos de entrar em Jerusalém. A partir daqui, há uma dispersão, embora uma pequena parte tenha permanecido na terra de Israel. Viviam nas montanhas de Hebron, na costa entre Gaza e Haifa (a localidade histórica dos Filisteus), na Galileia e nos montes Golan30. Existiram sempre Sinagogas nestas zonas. No entanto, a vida dos Judeus não estava isenta de perigo, o que contradizia o Talmude: "Wer nähmlich im Lande Israel wohnt, dem ist es so, als habe er einen Gott, und wer außerhalb des Landes wohnt, dem ist es so als habe er keinen Gott" [Quem vive na terra de Israel, é como se tivesse um Deus, e quem vive fora de Israel, é como se não tivesse Deus nenhum] (Ketubot 111a).
A saudade da Palestina esteve sempre na mente do povo judeu sendo tão antiga como a história da sua perseguição. Ainda hoje os Judeus repetem todos os anos na celebração da Pesah31 a frase: "Para o ano, em Jerusalém" (Herzl, 1988:24).
Todo o pensamento messiânico é baseado na crença segundo a qual o Messias irá levar o seu povo a vencer sobre os inimigos e à vida eterna. Esta promessa do Messias é feita ao povo e à terra de Israel, que estão inteiramente ligados. Durante um século, a vida do Messias foi aguardada com grande expectativa. David Reubeni previa a chegada do Messias para o ano de 1530. Schlomo Molcho, de Itália, previa a chegada para 1540. Jizchak Lurja, da Palestina, para 1564. O Rabi Josef Karo, para 1567. Em 1621, o Rabi Jesaja Horowitz, de Praga, viaja para a Terra Santa e exorta a população judaica a emigrar32.
Shabbatai Zewi (1626-1676) torna-se no esperado Messias, pondo em alvoroço todo o povo judeu. Em toda a Europa, Judeus esperavam pela chamada para a Palestina com as malas feitas. Pensadores cristãos e judeus, como Baruch Spinoza, acreditavam num regresso à terra de origem: a Palestina, que deste 1517 pertencia ao Império Otomano. Os Turcos aperceberam-se desta situação e prenderam Shabbatai Zewi, obrigando-o a converter-se ao Islamismo. Foi este o último movimento messiânico.
Como movimento contrário, criou-se o Hassidismo33, que defendia o regresso incondicional à Palestina.
A Ocidente houve uma tentativa de convencer a população judaica para a necessidade da existência de um território físico (e não apenas espiritual) por Moses Hess, com a publicação, em 1862, de Rom und Jerusalem. "The pure human nature of the German is, in reality the nature of the pure German race, which can rise to the concept of humanity in theory only, but in practice it has not yet transcended its innate racial sympathies and anthipaties. German antagonism to our Jewish national aspirations has two sources, reflecting the dual nature of man, his spiritual and natural aspects, his theoretical and practical sides, which are nowhere so sharply defined - and opoosed to one another - as among the Germans" (In Hertzberg, 1997:120) Definido o anti-semitismo como um fenómeno alemão, Hess defendia que os Judeus tinham direito a uma pátria onde pudessem desenvolver a sua cultura e talentos, sem sofrer o anti-semitismo, uma vez que, ainda que o tente, o Judeu nunca será totalmente integrado. Amigo de Marx, Hess ficou conhecido como o "Rabi comunista", por esperar que o estado judaico se desenvolvesse sob o modelo socialista. As suas ideias não encontraram seguidores tendo Hess sido esquecido com a sua morte.
A Leste, os Judeus aderiram mais rapidamente ao Sionismo. A Rússia possuía uma comunidade judaica mais representativa. Antes da migração para Ocidente, viviam nos estados do Leste cerca de cinco milhões e meio de Judeus; destes, quase quatro milhões viviam na Rússia. Até à migração do século XIX, a Rússia tinha a maior percentagem de Judeus do mundo (1897: 5,2 milhões)34. A maior parte dos Judeus vivia na Lituânia, Bielorrússia e Ucrânia, constituindo cerca de 11% da população. A maioria vivia nas grandes cidades. Após a anexação da Polónia (1815), são muitos os Judeus que se mudam para a Rússia, atraídos pela quantidade de Judeus que lá existia. Com o incremento da Revolução Industrial aumenta o capital dos Judeus, que, no entanto, não têm qualquer protecção política, sendo-lhes interditas determinadas zonas da cidade. A acrescentar a tudo isto, os Pogroms, que, regularmente, dizimavam as comunidades judaicas. Ao contrário do que sucedia no Ocidente, havia uma grande consciência de comunidade, existindo literatura (iídiche), arte e cultura judaicas. A Haskala, um movimento cultural judaico, com características semelhante às da Aufklärung, tinha o objecto de pôr a cultura judaica em sintonia com a cultura ocidental. Renasce o uso do hebraico, que até aí apenas era utilizado nos serviços religiosos. A língua hebraica era entendida pelos Judeus do Leste e surge nesta época uma série de textos e periódicos portadores da mensagem do novo movimento. Este sentimento foi engrandecido com a influência dos movimentos sionistas. Como a emancipação exterior lhes está vedada, inicia-se um processo de emancipação interior. Esta emancipação seguia direcções diferentes: uma liberal, com tendências de assimilação, uma sionista (religiosa ou irreligiosa), uma ortodoxa, que recusava o Sionismo; uma socialista, que conseguiu lugar entre os Judeus russos. Restavam apenas duas vias para os Judeus russos: o Sionismo ou o Socialismo Revolucionário35.
Temendo o perigo de uma assimilação total, Peres Smolenski, um membro da Aufklärung, funda em Viena o jornal em hebraico, Haschachar,36 que se torna porta-voz do novo movimento sionista. Smolenski lança o seu programa em 1871, defendendo a religião como o elo de ligação nacional do povo judeu. Segundo Smolenski, dois pilares sustêm a casa de Israel: a esperança na redenção e o amor dos Judeus uns pelos outros. Era contra a Haskala, visto este movimento enganar e dividir os Judeus, fazendo-os acreditar que seria possível a assimilação, quando esta é apenas uma ilusão. A opinião de Smolenskin será confirmada por um amigo do escritor alemão Jakob Wassermann: acusando os Judeus de parasitas, argumenta que, ainda que estes se baptizem (por razões utilitárias), nunca conseguirão ser verdadeiros alemães. (Wassermann, 1994:54). Deste modo, o Sionismo é a única via a seguir.
Em 1881, o Czar Alexandre II é assassinado. As consequências foram Pogroms contra as comunidades judaicas, que duraram até 1883. As manifestações anti-semitas eram apoiadas pelos movimentos pan-eslavistas. A consternação entre os Judeus foi enorme, ao ponto de os membros da Haskala voltarem a ter ideias sionistas. Por toda a parte surgem organizações sionistas que pretendem estabelecer colónias na Palestina e exigem o uso da língua hebraica 37.
O médico judeu Leon Pinsker (1821 - 1891), de Odessa, publica o manifesto Autoemanzipation! Mahnruf an seine Stammesgenossen von einem russischen Juden, onde afirma "So ist der Jude für die lebenden ein Toter, für die Eingeborenen ein Fremder, für die Einheimischen ein Landstreicher, für die Besitzenden ein Betler, für die Armen ein Ausbeuter und Millionär, für den Patrioten ein Vaterlandsloser, für alle Klassen ein verhaßter Konkurrent" [Assim, o Judeu é um morto para os vivos, para os nativos - um estranho, para os nacionalistas - um vagabundo, para as classes abastadas - um pedinte, para todas as classes - um concorrente odioso] (apud Kampmann, 1979:358). Mostrando deste modo a impossibilidade da assimilação do povo judeu, uma vez que não há qualquer progresso em humanidade nem na cultura, Pinsker tornou-se o autor do primeiro manifesto sionista. O povo judeu não é reconhecido, o anti-semitismo é uma doença mental dos povos, mascarada, por vezes, sob a forma de tolerância, que só terminará com a existência física de uma nação judaica 38.
Nesta época, a Palestina era um espaço pouco povoado, onde viviam cerca de 30 000 Judeus e meio milhão de Árabes. Estes Judeus distribuíam-se por vários grupos: De um lado, os Judeus orientais, que haviam permanecido na Palestina e cuja língua materna era o árabe; do outro, os Judeus sefarditas, provenientes da Península Ibérica. A sua língua era o ladino, uma mistura de espanhol e outras línguas. Havia ainda os Judeus ashkenazi, da Alemanha e Europa Central. Falavam íidiche.
A maior parte dos Judeus vivia nas cidades. Eram artesãos e dedicavam-se ao estudo do Talmude.
Em 1870 é fundada a primeira escola agrícola na Palestina, Mikve Israel, pela Alliance Israelite Universelle. Muitos Judeus procuram refúgio junto desta organização, embora esta prefira remetê-los para outros destinos, que não a Palestina. A maioria opta pelos Estados Unidos da América. Uma minoria de idealistas emigra para a Palestina e funda a primeira Alija - este termo era usado no Talmude para designar a peregrinação para Jerusalém ou Israel. A primeira Alija foi a peregrinação dos Bilujim (estudantes que abandonaram os estudos para ir cultivar a terra prometida). Apenas tiveram uma pequena ajuda financeira (por intermédio de um Rabi) do barão Edmund Rothschild. O sacrifício dos pioneiros foi heróico. Há, no entanto, alguns progressos que se vão conseguindo. Em 1881, Elieser ben Jehuda chega à Palestina e publica um dicionário de hebraico em quatro volumes. É o hebraico moderno. Em 1896, na Europa, o movimento sionista confiava apenas na utopia.

Theodor Herzl transforma a utopia em realidade. Herzl nasceu em Budapeste em 1860, no seio de uma família sefardita assimilada. Assistia, contudo, regularmente aos serviços religiosos na Sinagoga de Budapeste, pedindo a bênção a seus pais quando empreendia um projecto importante. Nos primeiros anos da sua vida o Judaísmo foi um tema periférico. Em Viena estuda Direito, escreve algumas comédias e, cerca de 1890, é correspondente em Paris do jornal Neue Freie Presse, onde escrevia ensaios e feuilletons. A sua reputação como jornalista estendia-se a toda a Europa. É em Paris que a sua atenção é voltada para o Sionismo quando testemunha o julgamento de Alfred Dreyfus, que é condenado inocentemente 39.
Antes de ser exilado para a Ilha do Diabo, Dreyfus foi humilhado publicamente. Em conjunto com os insultos a Dreyfus, os franceses gritavam "Morte aos Judeus". Herzl pensou que se esta era a reacção na França liberal isto significava que os Judeus nunca estariam seguros enquanto não tivessem o seu próprio lar. "Ein nationaler Judenstaat, das war die neue Antwort auf die Verfolgung und Ausschließung des fast 2000 jährigen Lebens in der Diaspora. Mit der zionistischen Bewegung beginnt aber auch für die Geschichte der deutschen Juden ein neuer Abschnitt" (Kampmann, 1979:264). [Um Estado Judaico era a nova resposta à perseguição e exclusão de quase 2000 anos na Diáspora. Com o movimento sionista inicia-se um novo capítulo na história dos Judeus alemães]. Este novo capítulo é iniciado com a publicação do panfleto de sessenta e três páginas Der Judenstaat [O Estado Judaico]. Este manifesto é iniciado com uma exposição sobre a situação actual do povo judeu, que vive dependente da vontade do "povo anfitrião". No entanto, a nova época, a da Revolução Industrial, comporta as condições ideais para terminar esta questão. A questão judaica não é de origem social nem religiosa, é uma questão nacional. O próprio Herzl afirma: "Wir sind ein Volk, ein Volk!" [Nós [Judeus] somos um Povo, um Povo] (Herzl, 1988:16). Tendo sido fiéis à sua pátria, os Judeus são tratados como estranhos sendo por vezes expulsos e exterminados. Quando se sentem atacados, voltam às suas raízes. Quando têm uma situação confortável, tendem a assimilar-se. A assimilação é adquirida através dos casamentos mistos, o que causa problemas não só a nível da identidade cultural, como não é garantia de qualquer estabilidade. O anti-semitismo caracteriza todo os povos com quem os Judeus vivem40, não fazendo qualquer sentido permanecer no país anfitrião, que, de um momento para o outro, os pode expulsar. "Ganze Äste des Judentums können absterben, abfallen; der Baum lebt." [Podem morrer e cair muitos ramos do Judaísmo, mas a árvore vive] (Herzl, 1988:21). Assim, o povo judeu tem a sua própria personalidade, que os une, sendo utópica a ideia de uma assimilação total em que os Judeus sejam integrados na sociedade sem perder as suas características.
No entanto, Herzl não se fica apenas pela exposição. Apresenta sugestões de ordem prática, enumerando os passos a dar para a construção de um estado judaico. O seu programa continha três áreas: a conversação com os governos de diversos países, principalmente com o Império Otomano, de modo a conseguir um contrato para obter a Palestina ou outro país; o fortalecimento das organizações sionistas; a fundação de instituições para dar seguimento prático aos planos41 .
Theodor Herzel
Em Agosto de 1897 realiza-se o primeiro congresso sionista em Basileia, uma vez que a comunidade judaica de Munique tinha recusado a cidade a Herzl. Estiveram presentes 197 delegados de diversos países, onde os Judeus tinham representatividade. Nomeado presidente da organização sionista, Theodor Herzl dedica-se exclusivamente a pôr em prática as suas ideias expostas em Der Judenstaat. Acreditava que o seu projecto só teria viabilidade quando discutido no âmbito da grande política. Em vão tenta contactar com o Sultão da Turquia. O imperador Wilhelm II concede-lhe uma viagem à Palestina, que se revelará na única estada de Herzl na Terra Prometida.
Depois de ter falhado a obtenção de apoio junto da Rússia, Itália ou Santa Sé, consegue finalmente, em Abril de 1901, uma audiência com o Sultão Abdul Hamid II. Herzl oferece ajuda financeira à Turquia em troca de território. O Sultão recusa. No ano seguinte há um novo encontro, igualmente sem que se cheguem a resultados positivos. Começam a surgir divisões dentro da organização sionista. Estas divisões acentuam-se quando, no ano seguinte, após os pogroms de Kishinev, onde morrem centenas de Judeus, Herzl concorda com a proposta do governo inglês em lhe ceder o Uganda. Se, por um lado, teve sucesso, pois em seis anos conseguira construir uma organização aceite pelo regime inglês, ao ponto de lhe garantir um estado semi-autónomo; por outro lado, enfrenta uma forte oposição por parte dos próprios Judeus russos: não era aquela a terra dos seus pais.

Com todos os seus esforços, Herzl foi prejudicando a sua saúde, morrendo em Julho de 1904, vítima de súbito ataque cardíaco. Depois da fundação do Estado de Israel, as suas ossadas foram transportadas para Jerusalém e depositadas no monte, que hoje leva o seu nome. Com a sua morte, Herzl deixa um lugar vazio. Desaparece o idealismo dos primeiros tempos. Entre o povo judeu não havia unidade, havendo uma minoria sionista contra uma maioria opositora. Esta situação acentua-se com a chegada da Primeira Guerra Mundial, que traz consigo uma nova onda de patriotismo. Judeus servem no exército em todas as frentes, fiéis às suas pátrias. Muitos deles contactam pela primeira vez com as comunidades judaicas do Leste, quando invadem a Polónia. O Sionismo vai, todavia, ganhando alguns adeptos.
Em 1916, Walther Rathenau, judeu, que viria a ser ministro dos negócios estrangeiros, escreve: "Ich habe und kenne kein anderes Blut als deutsches, keinen anderen Stamm, kein anderes Volk als deutsches. Vertreibt man mich von meinem deutschen Boden, so bleibe ich deutsch, und es ändert sich nichts" [Não tenho nem conheço um outro sangue que não o alemão, nenhuma outra raíz, nenhum outro povo, a não ser o alemão. Expulsem-me do solo alemão, que eu continuarei alemão, nada se alterará.] (apud Kampamnn, 1979:441). Ironicamente, Rathenau, um assimilado convicto, seria assassinado em 1922 por um fanático anti-semita. Tal como Rathenau, o escritor Jakob Wassermann é anti-sionista. Considera que o Sionismo representa a aceitação da exclusão dos Judeus da sociedade alemã. No entanto, Wassermann não é tão radical quanto Rathenau. Embora queira parecer assimilado, a dualidade alemão/judeu estará sempre presente na sua vida. Criticando o povo judeu, Wassermann opõe-se à ideia de uma conversão, sofrendo na pele a herança dos seus antepassados, o que o leva a afirmar: "Dann aber hat der armseligste Jude seine Hütte mit mehr Blut bezahlt, als irgend ein Monarch sein Thron". [O judeu mais pobre paga a sua cabana com mais sangue do que qualquer monarca o seu trono.] (in Rodewald, 1984:19). Estranhos numa pátria estranha, os Judeus não têm uma nação, sendo um povo entre povos. A pátria de Wassermann é a Alemanha, já não tem qualquer relação com a Palestina. "Das Land meiner Väter; es ist barer Hohn (...) jeder deutsche Dom geht tiefer in die Empfindung. (...) Sie können mich zu einem Exilierten machen (...) zu einem Palästinenser können sie mich nicht" (apud Kampmann, 1979:439). [A terra dos meus pais, isso é pura ironia, uma catedral alemã tem muito mais significado para mim. Podem fazer de mim um exilado, mas um palestiniano não]. Estas declarações de Wassermann são algo contraditórias, evidenciando a complexidade do problema de se estar inserido em dois mundos culturais diferentes e quase opostos. Wassermann mantém-se anti-sionista até ao fim, não mudando a sua opinião com os progressos do movimento sionista.
Em 1916, Lord Arthur Balfour é chamado a ser ministro das munições, por ter conhecimentos de química. Mais tarde, é ministro dos negócios estrangeiros. Apesar de algumas divisões, havia já uma conjuntura favorável ao Sionismo. A 2 de Fevereiro de 1917, o regime inglês reconhece as exigências dos sionistas na Declaração de Balfour. Esta declaração, que foi bem recebida por todos os chefes de estado, incluindo alguns árabes (como o rei Feisal da Jordânia, tio-avô do rei Hussein, falecido recentemente), constitui a Magna Carta do povo judeu. E se até aí os documentos eram impressos em alemão, a partir desta altura tudo o que respeita ao Sionismo passa a ser escrito em inglês.
Quando em 1921 a Palestina é dividida (uma zona para Árabes, outra para Judeus), começa uma nova vaga migratória. Na Rússia, Polónia e Roménia, grupos de jovens abandonam escolas e universidades para ir viver na Palestina. São criadas delegações [Palästinaämter] em Viena, Trieste, Varsóvia e Constantinopla. A nação judaica desenvolve-se lentamente na Palestina ante a chegada em massa de Judeus e a partida de alguns desiludidos com as condições duras que encontraram42 .
Entre os Judeus na Alemanha a maioria era anti-sionista, como já foi referido. O Dr. Max Naumann publica em 1920 Vom nationaldeutschen Juden, onde descreve as três vias abertas para o Judeu na Alemanha: Sionismo, Nacionalismo, e uma via intermédia. O Sionismo é explicado pelos pogroms ocorridos a Leste. No entanto, é defendido que os Judeus de Leste estão culturalmente muito distantes dos Judeus alemães.
Os Judeus que optam por uma via intermédia são os que ainda não ultrapassaram a mentalidade do Ghetto. Estão habituados a ser discriminados, e segundo Naumann são eles: "dieser Hauptgegenstand des berühmten Witzes" [o objecto de conhecidas anedotas] (1920: 15). Estando estes dois grupos distantes da realidade, a defesa do autor direcciona-se no sentido do Judeu alemão nacionalista, constituido por "jüdischer Stamm und deutsches Gefühl" [origem judaica e sentimento alemão] (1920:22). Este é capaz de dizer aos sionistas as palavras que Abraão proferiu a Loth: "Gehst du links, so gehe ich nach rechts" (1920:18)43. O Judeu alemão nacionalista não é, contudo, um assimilado. Não tem qualquer necessidade de mostrar o que não é, orgulhando-se da sua origem judaica, e referindo-se à sua religião judaica com a mesma naturalidade com que outros alemães dirão "católica" ou evangélica" (1920:14) Naumann apresenta, assim, uma visão bastante optimista, quase utópica, da situação do Judeu na Alemanha.

3. O HOLOCAUSTO
Explicar porque Adolf Hitler era anti-semita não foi conseguido até hoje apesar das inúmeras biografias já editadas. Não há provas de que tenha tido más experiências com Judeus, inclusive, em criança, foi um médico judeu quem salvou a vida da sua mãe. Certo é que Hitler odiava tanto os Judeus como a sua concepção de um Deus Todo Poderoso do Judaísmo. E decidiu que só exterminando todos os Judeus se poderia livrar da ideia de um Deus onipotente44.
Para Hitler, o Cristianismo e o Marxismo eram criações judaicas que tentavam dominar os valores arianos da Alemanha. Estes constituíam-se basicamente no ódio aos Judeus e na idolatria de cidadãos altos, saudáveis, louros e de olhos azuis, obedientes a um líder, o Führer.
A Alemanha atravessava um período difícil quando Hitler começa a desenvolver as suas ideias: havia sido considerada culpada da Primeira Guerra Mundial e condenada pelos Aliados a pagar pesadas indemnizações. Vivia-se uma crise económica a nível mundial, mas na Alemanha atingia ainda proporções maiores com o elevado desemprego. Neste contexto, a mensagem de Hitler "Vou dar emprego a todos os alemães" e "Os Judeus são os culpados por esta situação" encontra grande eco na população alemã.
Em 1923, Adolf Hitler tenta levar a cabo uma revolta contra o governo alemão, mal sucedida, o que o leva a ser condenado a uma pena de cinco anos de prisão, sendo libertado ao fim de nove meses. Durante a sua detenção, escreve o livro Mein Kampf [A minha luta], onde expõe as suas ideias políticas. O livro é rapidamente um best seller, passando inclusive a fazer parte das listas de casamento, no início dos anos 30.
Em Junho de 1932, os nazis obtiveram mais votos do que qualquer outro partido na Alemanha, sendo Hitler nomeado chanceler alemão no ano seguinte. Uma vez no poder, começa a executar a sua política anti-semita: proíbe os Judeus de exercerem determinadas profissões, como a advocacia, e ordena um boicote às lojas judaicas. Estrelas de David, assim como a palavra JUDE [Judeu, em alemão] são pintadas nas vitrinas das lojas judaicas para as destacar.
Os primeiros Judeus a sofrer com as medidas anti-semitas tiveram ainda a oportunidade de sair do país. No entanto, a maioria optou por permanecer na Alemanha esperando que a situação melhorasse45.
Depois de dois anos no poder, Hitler pratica a sua política anti-judaica: As Leis de Nuremberga retiram aos Judeus a cidadania alemã. São declarados ilegais os casamentos e até proibidas as relações sexuais entre Judeus e Não-Judeus. Subsequentemente, a legislação proibia Não - Judeus de trabalharem para Judeus e que Judeus e Não - Judeus estudassem juntos.
Na noite de 9 para 10 de Novembro de 1938, a política discriminatória dos nazis relativamente aos Judeus aumentou violentamente com um pogrom que ficou conhecido como Noite de Cristal. O pretexto oficial para esta acção foi o assassínio em Paris de um diplomata nazi por um Judeu de 17 anos, Herschel Grynspan. Grynspan assassinou o oficial alemão por retaliação - este deportara os seus pais. Quando o oficial morreu, os nazis decidem castigar os Judeus pelo acto de Grynspan. Nessa noite, todos os vidros das Sinagogas e das lojas dos Judeus foram destruídos. Judeus são mortos e deportados. A maioria reconhece que a esperança numa coexistência pacífica terminara e que o preço de não existir um lar judaico era demasiado alto.46
Entre 1941 e 1945 matar judeus foi a grande prioridade para Adolf Hitler, assim como ganhar a Segunda Guerra Mundial47. A partir de 15 de Setembro de 1941, a população judaica com mais de seis anos passa a estar facilmente identificável com a obrigatoriedade de usar a Estrela de David amarela com a palavra JUDE escrita no meio, sob pena de execução. Torna-se ainda obrigatório acrescentar ao nome próprio os nomes Sarah (para as mulheres) ou Israel (para os homens). Para alguns Judeus, tais factos constituíram motivo de orgulho.
Começam a ser criados campos de concentração, inicialmente para opositores ao regime. O objectivo de Hitler era exterminar fisicamente os Judeus da Europa. No entanto, antes de proceder à solução final queria humilhá-los e torturá-los. Auschwitz foi o maior campo de concentração, onde pereceram cerca de um milhão e meio de Judeus. À entrada do campo estava escrito Arbeit macht frei [O trabalho liberta], numa tentativa cínica para convencer os prisioneiros que não havia más intenções para com eles48. Após a entrada no campo, os Judeus eram alinhados e seleccionados por médicos, tendo sido o mais famoso Joseph Mengele49. Para o lado esquerdo, seguiam velhos, crianças e jovens até aos quinze anos, e debilitados. Iam directamente para a câmara de gás. Em minutos, pessoas eram sufocadas até à morte, na maior das agonias, uma vez que era usado o mínimo de gás suficiente para matar. Depois cremavam-se as pessoas mortas.

Os Judeus que iam para o lado direito iam trabalhar. Era-lhes rapado o cabelo e tatuado um número no braço. A cantora Fania Fénélon, sobrevivente de Auschwitz, conta, no seu livro Das Mädchenorchestra in Auschwitz [A orquestra de raparigas em Auschwitz], que ainda foi discutida a hipótese de tatuar o número na testa, mas que foi considerado mais prático fazê-lo no braço. As condições de trabalho eram tenebrosas, o que provocava a doença a muitos, que terminavam igualmente nas câmaras de gás. Aliás, os sobreviventes dos campos de concentração foram os que entraram na última fase da guerra.

Dos seis milhões de Judeus que pereceram no Holocausto, talvez Anne Frank seja a mais famosa. Anne era uma jovem que vivia em Amesterdão quando os nazis invadiram a Holanda. Em 1942, quando começaram as deportações, a família Frank escondeu-se num anexo de várias salas de um armazém que pertencia à firma onde trabalhava o seu pai Otto. Durante este período, Anne escreveu o seu diário que, publicado após a guerra (1947), comoveu o mundo. A 4 de Agosto de 1944, o esconderijo foi descoberto e os habitantes enviados para campos de concentração. Anne morreu em Março de 1945 em Bergen-Belsen.50



Factor ainda a salientar é o da Revolta do Ghetto de Varsóvia. Antes de destruírem todos os Judeus da Polónia, os nazis confinam cerca de 50 000 Judeus (30% da população polaca) a um espaço que constituía aproximadamente 2,4% da área da cidade. O número de Judeus diminuiu drasticamente. Entre 15 a 20% morrem de fome51. A quantidade de calorias ingerida diariamente era de cerca de 184 calorias/dia, 1/14 da dieta normal de um adulto.
No Inverno de 1943, só permaneciam no ghetto cerca de 6000 Judeus (os outros tinham sido deportados). Por esta altura, os sobreviventes decidem enfrentar os nazis. Foi uma revolta montada com pouca esperança de vitória e sobrevivência, uma vez que os Judeus poucas armas tinham para defrontar os alemães. Os nazis tinham programado deportar os Judeus para campos de concentração na Pesah. (Era seu objectivo transformar os dias festivos judaicos em dias de desgraça). Desta vez, encontraram resistência e foram obrigados a retirar. A 16 de Maio, o ghetto estava completamente liquidado, no entanto, esta revolta tornou-se inspiradora para o povo judeu.
Na Primavera de 1945, os Aliados atacam pontos estratégicos alemães. Os Russos ocupam Viena a 13 de Abril. O passo seguinte é conquistar Berlim. A 25 de Abril, a cidade está cercada. Dois dias mais tarde, Hitler e a sua mulher Eva Braun suicidam-se. Finalmente, a 8 de Maio de 1945, termina a guerra na Europa. O capricho de Hitler foi pago com mais de 6 milhões de Judeus, mais de 3 milhões de soldados, mais de 2 milhões de mutilados, mais de meio milhão de vítimas de bombardeamentos, mais de quatro milhões de mortos, e mais de 16 milhões de refugiados.52
Existem vários museus sobre o Holocausto, de modo a que esta página negra da história não seja esquecida. Quando foi criado o Estado de Israel, em 1948, foi decidido que ali seria construído o maior museu sobre o Shoah53:Yad Vashem. O museu está situado junto ao Monte Herzl, onde está sepultado Theodor Herzl, fundador do Sionismo. O nome Yad Vashem significa "uma mão [ou monumento] e um nome" e foi inspirado em Isaías 56:5, onde o profeta assegura que os Judeus sem filhos não serão esquecidos nas gerações vindouras: "I will give them an everlasting name that shall not be effaced". O museu contém imensas fotos que documentam o Holocausto, assim como extensa bibliografia. Circunda o museu um jardim, conhecido como Avenida dos Justos, onde são homenageados gentios que albergaram Judeus durante a barbárie do Nacional-Socialismo. Apesar de tudo, e ainda que em casos isolados, subsistiu alguma Humanidade entre os dois povos54.


4. O ESTADO DE ISRAEL
Depois da Guerra, os sobreviventes do Holocausto recusaram-se a permanecer nos países onde as suas vidas haviam sido destruídas. Após terem passado algum tempo em campos para desalojados, quase todos tentavam deixar a Europa55. Alguns Judeus optaram pela Austrália, Canadá ou Estados Unidos da América. A maioria, no entanto, desejava ir para a Palestina. Era o único sítio que viam como lar. A Grã-Bretanha dificultava a imigração. Em 1947, organizações sionistas compram um navio americano e enviam-no, com 4500 pessoas, para a Palestina. O navio é nomeado Exodus - 1947. O ministro dos negócios estrangeiros, Ernest Bevin, decide repatriar o navio para a Europa. Tal facto causou mortes e doenças a bordo, mas a transmissão deste incidente pelos media tocou a opinião pública e deu novo alento ao Sionismo. Inspirou inclusive Leon Uris a escrever a sua obra Exodus, baseada nestes factos56.
A 29 de Novembro de 1947, uma votação na ONU concede uma pequena parcela de território na Palestina para a formação do Estado de Israel. Este é fundado oficialmente a 14 de Maio do ano seguinte com a designação de Medinat Israel [Estado de Israel]. É adoptado como hino a canção Hatikwah [A esperança], que, tal como o nome indica, canta a esperança do povo judeu em viver um dia na terra de Israel. No dia seguinte à sua fundação, Israel é invadida por exércitos do Egipto, Síria, Jordânia, Líbano, Iraque e Arábia Saudita. Israel nasceu no conflito, que subsiste até ao dia de hoje, embora haja tentativas de estabelecer um Processo de Paz, que vai evoluíndo lentamente e com alguns retrocessos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Espero, com este trabalho de investigação, ter contribuído para esclarecer um pouco o que foi a história do povo judeu no espaço alemão, principalmente desde o seu início até ao começo do Terceiro Reich. Posso adiantar que existe hoje em dia uma pequena comunidade judaica na Alemanha, mas que, paulatinamente, vai ganhando consciência das suas raízes e retomando tradições. (Um exemplo é o da escritora Barbara Honigmann, que só após o nascimento do seu primeiro filho decidiu ir ao encontro do Judaísmo, tendo o seu casamento sido o primeiro casamento judaico segundo o ritual ortodoxo na antiga Berlim-Leste57).
Desejo ainda ter contribuído para ajudar a reflectir todas as pessoas que defendem que a Europa está, presentemente, a ser dura para com o novo governo austríaco, de índole neo-fascista.
Optei pela tradução livre das citações em alemão. Para realizar este trabalho, baseei-me na minha tese de Mestrado, que leva o mesmo título deste artigo, e foi defendida na Universidade de Coimbra em Fevereiro de 1998.


por: Maria gil de souza
notas:


1 Desde 63 a. C. que os Romanos ocupavam a Palestina. Esta ocupação marca o final da indepêndencia judaica, uma vez que Roma ganha cada vez mais poder. A grande revolta dos Zelotes (originários de Canaã) contra Roma, seguida da sua derrota, puseram fim à existência política de Israel. Os Romanos tentavam erradicar o Judaísmo, o Imperador Adriano tinha como objectivo transformar Jerusalém numa cidade pagã romana e dando-lhe o nome Aelia Capitolina. Então, Simeon Bar-Kokhba empreendeu uma segunda revolta contra os romanos, desnecessária e sem qualquer hipótese de vitória. A sua determinação foi tal que entre a população judaica se julgou tratar-se do Messias. Milhares de pessoas seguiam-no na sua rebelião. Os Romanos não tiveram qualquer dificuldade em vencer os Judeus, destruindo também os seus templos (restou apenas uma parede, o actual Muro das Lamentações). Metade da população da Judeia morre, os sobreviventes são feitos escravos e proibidos de entrar em Jerusalém. Segundo muitos historiadores, esta derrota constituiu a maior catástrofe para o povo judeu anterior ao Holocausto. (A este respeito leia-se Telushkin, 1991: 119 ss). Saliente-se que, desde esta época, existem diversas facções de Judeus com diferenças tão profundas como as que hoje separam o Judaísmo ortodoxo, conservador e reformista. Os grupos mais importantes desta época eram os Fariseus (ascendentes dos judeus actuais), Saduceus (mais abastados, opositores dos primeiros) os Essenes e a Seita do Mar Morto (já extinta esta última, desconhecida até à descoberta dos rolos do Mar Morto). Acrescente-se ainda o contributo de David Horovitz: "Pharisees, Sadducees, Zealots - these labels linger, however vaguely, in the popular historical memory of the Second Temple times. Less familiar are the Sicarii, the extremist assassins, named for their trademark curved dagger - sica in Latin - who made a habit of murdering Jews they considered ideologically deficient, usually at public celebrations. Some scholars believe that Judas Iscariot, the very symbol of betrayal and back-stabbing, was so named because he was one of the Sicarii. In 67 C.E., while the Roman army was squelching the Great revolt in Galilee, the Zealots and their more moderate oponents were already slaying one another in Jerusalém. Three years later, the temple went up in flames, and three more after that, 960 Jews commited suicide at the mountain top fortress of Masada. It was a tragedy unparalelled in its significance for Jewish history until, arguably, the Holocaust. And why did it happen? According to the Talmud, the vast treasury of Jewish learning compiled in the centuries before Common Era, the Second Temple was destroyed by the Romans only "because of baseless hatred" among the Jews - an offense equal in gravity to "idolatry, immorality and bloodshed" combined" (Talmud, Tractate Yoma 9b)" (1996:279).
2 Cf. Weill, 1931:50.
3 Cf. Kampmann, 1979:13.
4 Cf. Sievers, 1978:20.
5 A Lei judaica não permite o trabalho ao Sábado. O shabbat inicia-se após o pôr-do sol de Sexta-feira com o acender das velas e o recitar de orações. Após as refeições, as famílias entoam cânticos. O santificar do Shabbat tem raízes na Torah: "Remember the Sabbath day, to hallow it. For six days you are to serve and are to make all your work but the seventh day is Sabbath for YHWH your God: you are not to make any kind of work , (not) you, nor your son, nor your daughter, (not) your servant, nor your maid, nor your beast, nor your sojourner that is within your gates. For in six days, YHWH made the heavens and the earth, the sea and all that is in it, and he rested on the seventh day; therefore YHWH gave the seventh day His blessing and HE hallowed it." (Exodus 20:8-11).
6 O empréstimo a juros, proibido aos Cristãos (Evangelho de S. Lucas 6, 25 "Amai os vossos inimigos.Fazei o bem aos que vos odeiam. (...) Dai a quem vos pede, sem exigir nada em troca. (...). Assim será grande a vossa recompensa e sereis filhos de Deus Todo Poderoso.); Delegou aos Judeus dos séculos XI e XII uma profissão necessária, mas desprezada. Apesar de tudo, há uma evolução: Os Judeus passam a credores, os Cristãos a devedores.
7 Cf. Kampmann, 1979:16.
8 Os pogroms [termo russo que significa destruição] eram perseguições e agressões brutais contra minorias religiosas, especialmente contra Judeus. Na segunda metade do século XIX e no início do século XX verificaram-se vários motins de carácter anti-semita, apoiados pelo regime czarista. (Hertzberg, 1997:633).
9 Durante a epidemia da peste (1347 - 1351) morreu cerca de um terço da população. Na época, a causa era desconhecida. Hoje sabe-se que devido à falta de higiene e ao consumo de água imprópria. Os Judeus tomavam banho regularmente, por imposições religiosas, tendo o número de vítimas da peste sido reduzido. Generalizou-se então o preconceito de que os Judeus tinham envenenado os poços dos Cristãos. Foi esta uma das primeiras razões do anti-semitismo na Europa. (Cf. Beimel, 1988:15).
10 Cf. Beimel, 1988:19/20.
11 Papel importante desempenhou o humanista Reuchlin, que se insurgia contra a acção dos dominicanos de Köln. A situação dos Judeus piorou com a Contra-Reforma. Os dominicanos empreenderam acções contra o Talmude e os escritos rabínicos, publicando falsos Talmudes, nos quais se indicavam acções criminosas cometidas por Judeus. Reuchlin defendia a igualdade de direitos para os Judeus, o que lhe valeu um processo e uma condenação (Sievers, 1978:74).
12 A palavra Sefarad significa Espanha em Ladino (língua usada pelos Judeus da Península Ibérica). Os Judeus Sefardim contrapõem-se aos Ashkenazim, Judeus provenientes da Europa Central - Ashkenaz é a designação em Iídiche (ver nota 14) para Alemanha.
13 Até à Revolução Francesa, o poder dos Judeus estava confinado à comunidade, sendo os Rabis que determinavam os parâmetros da vida judaica na Diáspora. Ocasionalmente havia Judeus que informavam autoridades hostis ou conspiravam com gentios para retirar propriedade judaica e, segundo as leis rabínicas, eram condenados à morte. Eram conhecidos como Malshinim ou Mosrim. Nos séculos XIII e XIV foram mortos Judeus por desrespeitar a autoridade rabínica (Horowitz,1996:280).
14 A palavra Judeu em iídiche é Jid, o que leva alguns historiadores a traduzir Jiddisch por judaico. Pensamos, no entanto, que este uso é incorrecto, e optámos por usar o termo original. Geralmente os Judeus só falavam iídiche (um dialecto do Mittelhochdeutsch, com termos hebraicos e eslavos) nas sociedades onde não tinham direitos iguais, como na Polónia e na Rússia. Quando emigravam para um país onde tinham direitos iguais, como os Estados Unidos da América (o primeiro país a conceder igualdade de direitos ao povo judeu, em 1776), apenas a primeira geração falava iídiche. O número de falantes de iídiche rondava, em 1700, os sete milhões, sendo a quarta língua germânica mais falada, a seguir ao Inglês, Alemão e Neerlandês. Nos anos vinte, os jornais publicados nesta língua em Nova Iorque atingiam as 200 000 cópias diárias. Hoje, esta língua é apenas usada pelos judeus Hassidim. Contudo, em 1978, o Prémio Nobel da Literatura foi concedido ao escritor iídiche Isaac Bashevis Singer (Cf. Telushkin, 1991:207/8).
15 Cf. Kampmann, 1979:76 ss.
16 Cf. Grab, 1991:11 ss.
17 Cf. Kampmann, 1979:204.
18 Exemplos desses nomes são: Bettsack [Enxergão], Brantwein [Aguardente], Elend [Miséria], Fleischfresser [Comedor de Carne], Mond [Lua], Pech [Azar], Wollust [Voluptuosidade]. (Cf. Bering, Der Name als Stigma, Antisemitismus im deutschen Alltag, 1812-1933, Stuttgart, 1987 s. 222 apud Beimel, 1988:68).
19 Napoleão afirma que os Alemães são o povo mais maduro da Europa para formar uma organização racional, uma vez que cada Homem forte, se o desejasse, poderia ser colocado no topo de 30 milhões de Alemães. (Cf. Golo Mann, 1958 : 68). Esta afirmação fomenta ainda mais o anti-semitismo e anula qualquer mudança de mentalidade que tivesse ocorrido sob influência da Revolução Francesa.
20 Cf. Grab, 1991:18.
21 Um exemplo é o do jurista Heinrich Marx, que se baptizou em conjunto com toda a família (incluindo o seu filho Karl) de modo a poder continuar a exercer a sua profissão de advogado.
22 Cf. Berger et alii, 1979:32.
23 A shtetl era uma pequena aldeia ou vila da Europa Central, onde viviam aglomeradas comunidades judaicas. Os habitantes eram, geralmente, de fracos recursos económicos, existindo um grande sentido de comunidade e responsabilidade entre eles. A shtetl continha sempre um cheder (escola elementar de estudos judaicos). Devido às dificuldades económicas, o ensino não era da melhor qualidade, sendo a disciplina imposta pelos professores bastante dura. Este facto levou muitos judeus a abandonar mais tarde a observância do Judaísmo. A esse respeito, leia-se Telushkin, 1991 : 245/6. Um exemplo da shtetl é a aldeia de Anatevka do filme Um Violino no Telhado.
24 Cf. Beller, 1996:36.
25 Em Der Weg ins Freie são desenhadas as três categorias em que se podiam ordenar os Judeus antes do Terceiro Reich: os assimilados, os socialistas e os sionistas, aqui representados por Bermann, Nürnberger e Golowski, respectivamente. O romance termina sem que sejam apontadas soluções para esta problemática, sendo apenas referidos os caminhos escolhidos no intuito de encontrar uma solução para os seus conflitos internos.
Em Professor Bernhardi mostra-se que o Judeu que se crê integrado sofre igualmente o anti-semitismo latente em toda a população. A condição de Judeu é motivo para uma incriminação por parte dos colegas - um conflito com um religioso sobre o tratamento a dar a uma doente que fizera um aborto está na base desta incriminação - e posterior condenação pela sociedade. Os colegas que não condenam Bernhardi não têm força para assumir a sua solidariedade para com ele publicamente.
26 Quando os Judeus portugueses e espanhóis fogem à Inquisição refugiam-se nos Países Baixos, onde são integrados. Em Inglaterra, libertam-se do jugo feudal. Oliver Cromwell protege os Judeus, que, a partir de 1656, são autorizados a construir Sinagogas. Os Estados Unidos da América são o refúgio de muitos Judeus que tomam parte na independência americana. A constituição de 1776 aceita todas as confissões. Em França, é proclamada a igualdade de direitos para Judeus. Esperava-se que estes tivessem participação activa na vida política. Cf. Grab, 1979:20.
27 Mesmo quando a constituição já conferia plena igualdade de direitos, na prática não houve grandes diferenças. O anti-semitismo vigorava com mais poder que a lei escrita.
28 A casa onde vive Samuel Freudenstein é descrita como uma autêntica imundície. O seu filho Moses converte-se ao Cristianismo e altera o nome para Théophile Stein. É uma figura que se movimenta em função de interesses económicos.
Em Soll und Haben, Veitel Itzig é um anti-herói, caracterizado como tendo "A cara do diabo" (1886:463). A sua assimilação é forçada. O iídiche que fala é referido com mau alemão.
29 Cf. Grab, 1991:32.
30 Cf. Krupp, 1992 : 14.
31 Na Pesah (Páscoa Judaica) festeja-se não apenas a libertação dos escravos do cativeiro no Egipto como também o início da nação judaica. A esse respeito leia-se Telushkin, 1991:581 ss.
32 Cf. Krupp, 1992:18.
33 Hoje em dia, o termo "Hassid" é utilizado para designar Judeus ultra-ortodoxos. No entanto, o Hassidismo é um movimento religioso criado no século XVIII, considerado na época como liberal e revolucionário a nível religioso. Cf. Telushkin, 1991:214 ss.
34 Cf. Kampmann, 1979:339.
35 Cf. Kampmann, 1979:342/343.
36 O nome significa "A manhã vermelha". Cf. Krupp, 1992:24.
37 Em 1881/2 é criada a união sionista Ahawat Zion (Amor por Sião), em Viena, por Smolenski. Em Viena é ainda fundado outro grupo: Kadima (Avante). Em 1882, na Rússia, Chowewe Zion (Os que amam Sião), pelo Rabi Mohiewer. Em 1884, funda-se em Berlim a União Sionista Ezra. Na Rússia é fundada em 1890 a Gesellschaft zur Unterstützung jüdischer Ackerbauern und Handwerkern in Palästina und Syrien. Cf. Krupp, 1992:25.
38 Cf. Krupp, 1997:26.
39 Em 1894, Alfred Dreyfus, capitão do exército francês, foi acusado de ser um espião para a Alemanha. Existia no Estado Maior do Exército uma Reparticão de Estatística, o Deuxième Bureau, que tinha a seu cargo assuntos de espionagem e contra-espionagem. Um dos agentes desse serviço era Bastienne, a empregada que limpava os escritórios da Embaixada da Alemanha em Paris. A sua função era reunir todas as cartas, notas e rascunhos rasgados e amarrotados que os funcionários atiravam para o cesto dos papéis e fazer chegar esses "documentos" às mãos do chefe daquela repartição, o tenente-coronel Henry. Entre os agentes da contra-espionagem francesa ao serviço de Henry, havia um oficial, o major Esterhazy, que era um homem de vida devassa, o que fazia com que necessitasse regularmente de dinheiro. Para satisfazer essa necessidade, fazia espionagem como "agente duplo". Toda a espionagem alemã estava ao corrente desta duplicidade, incluíndo Henry. Assim, não eram facilitadas a Esterhazy informações de grande importância, pelo que este decidiu trabalhar "por conta própria". Arranjou uns documentos, criou outros, e enviou-os com uma carta que os relacionava ao adido militar alemão. Este atirou-os para o cesto dos papéis e Bastienne entregou-os a Henry. Reconhecendo grande importância nos "documentos", Henry revelou esta descoberta ao Ministro de Guerra que, por sua vez, chamou os Chefe e Sub-Chefe do Estado Maior e lhes encomendou um inquérito. Desse inquérito não resultou nada de convincente. Apenas se sabia que as informações contidas no "documento" só poderiam partir de um oficial de artilharia que tivesse servido nas repartições do Estado Maior. Suspeitou-se do capitão Alfred Dreyfus, que terminara o estágio nos serviços do Estado Maior em Outubro de 1894 (os "documentos" de Henry eram de Setembro desse ano). Além do mais, Dreyfus era judeu.
O major DuPaty de Clam foi nomeado para organizar o processo deste caso de espionagem. Era um homem anti-semita que usou de todos os meios para levar Dreyfus perante o tribunal militar. Amigos daquele publicaram ecos do caso no jornal anti-semita La Libre Parole. Apesar de a França ter sido o primeiro país europeu a garantir a igualdade de direitos aos Judeus, havia um sentimento de anti-semitismo latente em toda a população.
Dreyfus é mandado comparecer perante o Conselho de Guerra e é condenado a prisão perpétua, por alta traição. Foi humilhado publicamente antes de ser transportado para o exilio. Investigadores desinteresssados descobriram que as acusações eram falsas. Émile Zola acusou o Estado de estar a prender um homem inocente em J'accuse. Dreyfus foi reintegrado no exército em 1906, onde permaneceu até 1935. (Reinach, 1903:11 ss).
40 Herzl invoca como causas remotas do anti-semitismo a incapacidade de assimilação (remonta à Idade Média); como causas próximas, a super-produção e a inteligência dos Judeus (Theodor Herzl, 1988:35).
41 A Society of Jews, que reunirá as condições visando uma emigração para a Palestina, e a Jewish Company, que porá em prática o trabalho da Society of Jews. A esse respeito leia-se Herzl, 1988:37 ss.
42 Muitos dos Judeus que optaram por abandonar a Palestina afirmam: "Wenn dies der Messias ist, mag er kommen, ich aber will ihn nicht sehen". [Se isto é o Messias, ele até pode vir, eu é que não o quero ver] (apud Krupp, 1992:95). Não foi fácil abandonar toda uma civilização e estabelecer-se numa terra árida, começando de novo.
43 "Avram said to Lot: Pray let there be no quarreling between me and you, between my herdsmen and your herdsmen, for we are brother, men! Is not all the land before you? Pray part for me! If to the left, then I to the right! If to the right, then I to the left. Lot lifted up his eyes and saw all the plain of the Jordan - how well watered was it all, before YHWH brought ruin upon Sedom and Amora, like YHWH's garden, like the land of Egypt, as you come towards Tzo'ar. So Lot chose for himself the plain of the Jordan. Lot journeyed eastward, and they parted, each man from the other. Avram settled in the land of Canaan, while Lot settled in the cities of the plain pitching-his-tent near Sedom." (Genesis 13:8 - 12).
44 Cf. Telushkin, 1991:345.
45 Como conta uma anedota judaica amarga: "Os pessimistas foram para o exílio, os optimistas foram para a câmara de gás". (Apud Telushkin 346).
46 Cf. Telushkin, 1991:556.
47 A política expansionista de Adolf Hitler havia começado em 1939. Por não querer fazer um desvio no meu trabalho, que já está bastante extenso, concentrar-me-ei, essencialmente, na temática dos Judeus na Alemanha nesta época particularmente dolorosa.
48 Cf. Telushkin, 1991:360.
49 Foi um dos vários médicos nazis que levou a cabo experiências médicas. Particularmente fascinado por gémeos, conduziu experiências bárbaras em vários pares de gémeos. Conseguiu escapar ao Julgamento de Nuremberga, onde foram julgados criminosos nazis, fugindo para a América do Sul, tendo sido encontrado afogado num rio do Brasil, no final dos anos 70. Cf. Telushkin, 1991:363/4.
50 Cf. van der Rol e Verhoeven, 1992:47.
51 Cf. Telushkin, 1991:369.
52 Cf. Tennbrock, 1968.
53 Holocausto em hebraico.
54 É de salientar que nesta avenida existe uma árvore plantada em memória do cônsul português, em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, natural de Cabanas de Viriato, que, desobedecendo ao regime salazarista, continuou a passar vistos a Judeus, de modo a que estes pudessem seguir para Portugal, e daqui para os Estados Unidos da América, o que custou o final da sua carreira diplomática e o resto da sua vida em condições miseráveis.
55 Uma anedota judaica conta que um Judeu se dirigiu aos Serviços de Emigração, pedindo para ir para a Austrália. Quando, tentando dissuadi-lo, lhe disseram que a Austrália se situava longe, ele replicou "Longe? Mas, de onde?" (Cf. Telushkin, 1991:288).
56 Cf. Telushkin, 1991:289.
57 Esta autora foi objecto de estudo da tese de licenciatura de Sandra Soares Pereira (sob minha orientação), defendida a 1 de Março de 2000. Não estando ainda publicado, o trabalho poderá ser consultado na biblioteca do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto.


parte 1: tecle aqui


Shalom!


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