sábado, 27 de outubro de 2012

A história de Jerusalém

                                                                                                   Jerusalém e a guerra dos deuses
Cidade sagrada para árabes, judeus e cristãos, Jerusalém, graças ao seu poder simbólico, tem sido historicamente palco de terríveis guerras e massacres entre os seguidores de Deus, de Jeová e de Alá. Leia a seguir uma síntese do milenar combate entre os deuses pela posse dos lugares santos.

Imaginem um jardim situado entre dois desertos e próximo a um mar que não tem vida, o Mar Morto. Ao sul dele espalha-se o terrível Neguev e, ao oriente, as áridas areias avermelhadas da Judéia. A escassa água que por ele corre tornou-se através dos séculos motivo de lutas entre todos os povos vindos das terras escaldantes dos arredores. Além disso, entre os ciprestes e rochas que se espalham pelos Montes de Sion, Scopus, Moriah e Oliveiras, encontram-se inúmeras grutas e cavernas que todos supõem serem sagradas.

De pedra cinza-claro, a beleza e mistériodelas exerceu sempre um espantoso efeito de atração sobre
os habitantes da antiga Canaã.Pensavam que por aquelas aberturas  naturais feitas na rochas os deuses enviavam-lhes augúrios ou advertências.Eram, diziam, as gargantas dos deuses.
Os ruídos e estranhos sons por elas omitidos somente cabia aos profetas e aos iluminados de Deus entender.
 

A capital das 12 tribos

Bem ali, em meio àquele desconsolo de pedras e areia que cercava um riacho, envolvida por um ar de magia e fé, formou-se Jerusalém! Num dos seus primeiros momentos, as lutas pela sua posse entre filisteus politeístas e monoteístas hebreus, conduziram a que o rei Davi, o sucessor de Saul, conquistasse-a dos jebusianos. Supõe-se que ao redor do ano 1000 a.C., o rei-pastor consagrou-a como a capital de todas as 12 tribos de Israel. Sucedido em 970 a.C. pelo seu magnífico filho, o sábio rei Salomão, com seus tributos de 666 talentos de ouro, com quatro mil estábulos para os seus 12 mil cavalos, Jerusalém tornou-se a digna morada de Jeová, em honra de quem o lendário rei, trazendo cedros do Líbano, reformou o Primeiro Templo. O deus dos hebreus deixava de ser uma divindade dos desertos para ir habitar um grande centro. Confirmação da magnificência do poder e da sabedoria do grande rei foi a visita que lhe fez a tão celebrada e bela rainha de Sabá.




Da idade do ouro ao cativeiro

Aqueles bons tempos idílicos do povo de Israel, quando Jeová reinou poderosamente sobre as terras da Palestina, vivem até hoje na memória dos judeus. Foi sua Era de Ouro. Mas então pairou sobre eles uma enorme nuvem vinda do Oriente. A era das delícias encerrou-se bruscamente em 597 a.C., quando o rei babilônio Nabucodonosor II marchou contra Jerusalém. Conforme as terríveis previsões do profeta Ezequiel, que prognosticou a catástrofe, Naburzadã, o general babilônico, para sufocar a revolta de Sedecias, destruiu o templo sagrado e pulverizou a capital no ano de 586 a.C.. Os seus habitantes viram-se reduzidos à escravidão. Os templos e os céus daquela Cidade Santa esvaziaram-se, enquanto a parte mais aquinhoada do povo hebreu foi levada em cativeiro para a Babilônia.



Ciro ordena a reconstrução

Ciro, o Grande, rei dos persas, o conquistador da Babilônia, condoído com a situação dos judeus escravizados, decidiu permitir que o povo de Jeová, então agrilhoado àquela grande cidade, retornasse ao seu sítio. Pelo decreto real de 538 a.C., autorizou a saída dos hebreus de lá e sua reinstalação na Palestina. De volta à sua antiga capital, o rei permitiu que o altar dos holocaustos fosse novamente erguido. O alto comissário persa Zorobabel e o supremo sacerdote Josué supervisionaram então o reerguimento do Segundo Templo(obra que imagina-se ter-se iniciada ao redor do ano de 520 a.C.). Com ele restaurado, os persas manifestaram a sua intenção estratégica de fixar os hebreus recém-retornados libertos do cativeiro da Babilônia para que servissem como uma forte barreira contra os egípcios, inimigos do grande rei.

Macabeu contra Zeus

Dois séculos mais tarde, foram os deuses olímpicos que vieram atormentar o remanso de Jeová. Zeus e Marte trazidos em 332 a.C. nas pontas das lanças das falanges de Alexandre, o Grande, tomaram de assalto a cidade sagrada. A política de tolerância religiosa do afamado conquistador macedônico, porém, não foi seguida pelos seus sucessores. Antíoco Epifanes, um inábil governante, exigiu que Zeus fosse cultuado dentro do templo, enquanto proibia aos judeus de praticar os seus ofícios. O resultado não se fez esperar. Em 168 a.C., eclodiu a terrível rebelião dos macabeus. Primeiro foi o sacerdote ancião Matatias, o Hasmodeu quem comandou a resistência, em seguida foi seu filho Judas, o Macabeu ("o martelo") que liderou a revolta até que Zeus e Marte fossem expulsos dos altares do Templo de Jerusalém. Depois, devidamente purificados, instituiu-se a festa da Hanucá, a "festa das luzes".

A política de Herodes

Nem bem o todo-poderoso do monte Olímpico retirara-se de Jerusalém quando, em 63 a.C., chegou a vez Júpiter Capitolino lá ir assentar-se. Dessa vez o novo deus viera trazido pelas poderosas legiões romanas de Pompeu.
 
Percebendo que a sobrevivência de um estado hebreu seria impossível sem o apoio de Roma, o rei Herodes, também um Hasmodeu, o tão odiado tirano das lendas cristãs, resolveu submeter-se ao novo poder emergente. O Reino de Israel, de 37 a.C. a sete d.C., tornou-se um estado vassalo dos césares. O soberano governante não sentiu nenhum pudor em batizar uma série de localidades hebréias com nomes romanos (tais como o porto de Cesaréia ou o Lago Tiberíades), afirmando publicamente aquela subordinação.

Foi por essa época, da aliança entre Jeová dos judeus e Júpiter Capitolino dos romanos que uma seita de camponeses, pastores e alguns pescadores floresceu na Galiléia, aproximando-se depois para as cercanias da cidade.

Jesus Cristo

Eles seguiam um pregador milagroso de Nazaré chamado Jesus. Para os crentes, era evidente que aquele homem santo tratava-se do tão esperado messias, o salvador, anunciado pelo profeta Elias. Apesar de ter concentrado sua atividade ao redor do Mar da Galiléia (Lago Tiberíades), Jesus Cristo percebeu que a grande batalha se daria com a conversão de Jerusalém. A qual ele também previu maus agouros. Quando ele saía do Templo em Jerusalém e os discípulos mostravam-lhe as construções do grande edifício, ele lhes disse; "Estais vendo tudo isto? Em verdade vos digo: não ficará pedra sobre pedra que não seja demolida"(Mateus, 24). Numa das páscoas, ele fizera uma entrada triunfal na cidade sagrada, onde a multidão o acolheu com palmas. Mas foi só. Os demais hebreus, principalmente os sacerdotes do Sinédrio, viram-no como um herético, um desordeiro.



Julgado e crucificado

"Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados, quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos... e não o quiseste!"
Jesus Cristo (Mateus, 23)

 

 
Denunciado à autoridade romana ("Em verdade, em verdade, vos digo: um de vós me entregará"- João,13), preso e acusado, levaram-no perante a Anás, e ao Sumo Sacerdote Caifás, que, por sua vez, o conduzem ao pretório do procurador romano Pôncio Pilatos. Apontaram-no como um agente da dissolução religiosa por se fazer passar como filho de Deus. Jesus Cristo, após ser flagelado e ridicularizado pela guarda romana e ter percorrido doloroso calvário pelas ruelas de Jerusalém, foi crucificado no Gólgota, no "Lugar da Caveira", provavelmente no ano de 33. Renascido depois de três dias, fez por estimular os seus discípulos, Pedro e depois Paulo, a levar a boa nova, da eminente chegada do Reino dos Céus, para bem mais longe de Jerusalém, para a Grécia, para Roma, afim de converter os gentios.

A rebelião dos judeus

No ano de 66, a sempre tensa paz entre romanos e hebreus foi rompida. Milhares deles, a partir de Cesaréia, durante quase quatro anos, pegaram em armas numa tentativa inútil de expulsar os funcionários de César da terra prometida. A vingança de Júpiter Capitolino foi terrível. Em 70, o general romano Tito, obedecendo as ordens do seu pai Vespasiano, enviados ambos à Palestina para reestabelecer a ordem imperial, assaltou Jerusalém, e incendiou e arrasou o templo, não sem antes promover-lhe o saque completo. Deu-se assim a segunda destruição do templo, separada da primeira, executada pelos babilônicos fazia quase 600 anos atrás. No arco comemorativo de Tito, erguido em Roma,
celebrando o episódio, pode-se ver num dos frisos o desfile dos troféus pilhados pelos romanos. Entre eles, o enorme Candelabro de Hanuká, o das sete velas, carregado pelos vitoriosos. A destruição do templo desarticulou o povo hebreu. Doravante o seu único amparo viria do Livro, das rezas e das súplicas.
 

Os hebreus, gente sem terra, sem templo e sem rei, a partir de então, principalmente depois do fracasso do levante de Bar Kokhba (esmagado pelo general romano Julius Severus no ano de 135), passaram a ser referidos como judeus. Marcados como um povo danado, obrigado a errar para cá e para lá aos sabores do acaso. Espalharam-se. Jeová, reduzido ao nomadismo dos tempos das tribos de Israel, rumou então para a longa diáspora que se estendeu por dezenove séculos. Nesse tempo todo virou um errático, num deus quase clandestino, cultuado muitas vezes à socapa. Cumpria-se, assim diziam, coletivamente, a maldição que Jesus teria lançado sobre o sapateiro Aasverus de Jerusalém o qual, negando-se a dar-lhe apoio quando cambaleava indo com a cruz para o Gólgota, foi condenado a vagar pelo mundo sem lar e sem sepultura por toda a eternidade.

Enquanto isso, a cidade de Jerusalém transformou-se num quartel romano. O imperador Adriano, que a visitou no ano de 131, chamou-a de Aelia Capitolina.


Jerusalém cristã

Entrementes, o Cristianismo ganhava adeptos em Roma e em Bizâncio, ofuscando Júpiter Capitolino. O mundo pagão declinava e o dos seguidores de Jesus ascendia. Jerusalém, quase deserta, empobrecida e abandonada por todos, foi salva do mais completo desconsolo pela conversão do imperador Constantino, o Grande (ocorrida em 312). Foi Helena, a imperatriz-mãe, uma fervorosa adepta da nova religião, quem lá chegando atrás da cruz, providenciou o reconhecimento dos lugares santos por onde Jesus passara e sofrera, restaurando o trajeto do calvário e mandando erguer a Igreja do Santo Sepulcro. Assim por meio de uma série de obras piedosas fizeram com que dali em diante Jerusalém também se tornasse um lugar de devoção dos cristãos. Os seus portões passaram então a abrir-se, acolhendo as levas de peregrinos recém-convertidos à nova fé do Império Romano.

A chegada de Alá
Tudo parecia indicar que Jerusalém, com o banimentos dos judeus, daria abrigo perpétuo ao deus cristão. Então um novo e empolgante deus emergiu dos desertos da Arábia, logo trazido até a Palestina pelas cimitarras dos beduínos. Foi a vez de Alá deslocar o deus cristão, instalando-se na cidade santa pelas mãos do califa Omar, que a ocupou em 636. Em pouco tempo, os minaretes dominaram a paisagem. Não demorou muito para que o grande edifício da Esplanada da Mesquita, com sua maravilhosa cúpula dourada - que brilha como um sol no seu esplendor -, afirmasse que dali em diante a Palestina inteira deveria seguir os ensinamentos do profeta. Construíram-na sobre o Monte Moriah, bem sobre a pedra em que o patriarca Abrãao teria feito o sacrifício do seu filho Isaac e de onde, bem mais tarde, o espírito de Maomé erguera-se em direção ao além.


Maomé e os hebreus

 
O profeta Maomé, num primeiro momento ainda em Medina, pensava ordenar aos seguidores que fizessem a qibla, a orientação das suas preces, na direção de Jerusalém. O motivo era que lá também celebrava-se um só deus, o "Mericordioso", como tantas vezes os hebreus testemunhavam. Mas os judeus de Medina zombaram da nova fé. Maomé lhes moveu guerra e os submeteu a um imposto. Isso não o impediu que, quando Alá o avisou da proximidade da sua morte, ele ter feito uma longa cavalgada noturna de Meca a Jerusalém para ir dali direto ao Sétimo Céu, para um encontro com o Eterno. O califa Omar ( não se sabe se Omar I, ou Omar II, que governou de 717 a 720) porém, uns tempos depois, elaborou para o "Povo do Livro" um estatuto melhor, tornando-os seus protegidos ( dimis). Desde que aceitassem o domínio do Islã poderiam manter a sua liberdade religiosa, ainda que sob certas restrições.


Jerusalém, três vezes sagrada

Dessa forma, com a conquista árabe, o polígono amuralhado da cidade que já abrigava o deus dos cristãos e o pouco do que restara de Jeová, passou a celebrar doravante o poderoso Alá. Assim, desde o século VII, Jerusalém tornou-se triplamente sagrada: era o repouso da Arca Sagrada dos judeus, a Cidade Santa dos cristãos, e o santuário dos islâmicos. Em cada uma das suas pedras havia a lembrança de uma história, em cada esquina ou sobrado dera-se uma aparição, ora era um anjo muçulmano, um arcanjo cristão, ou ainda uma assombração para um rabino. Em cada uma das suas inúmeras ruelas passara um homem santo, um profeta ou um provável messias. Jerusalém inteira e seus arredores estava coberta de sinais da santificação, do miraculoso, do inescrutável, do sobrenatural. Para as três grandes religiões, era o vestíbulo dos céus, um prévio entreposto humano antes da chegada do reino de deus.

As Cruzadas

 
No século XI, uma tribo de turcos seljúcidas, recém-convertidos ao islamismo, deu-se a cercear as peregrinações feitas pelos cristãos. Tal atitude fez por provocar um furor inaudito no papado e na nobreza européia, fazendo com que Jerusalém terminasse por ser conquistada por eles. Em 1099, um arrogante deus da cristandade, invocado pelo Papa Urbano II e protegido pelas cotas de malhas e pelos espadões dos cruzados, trazidos por Godofredo de Bouillon, Balduino e Tancredo, voltou a pôr os pés na cidade sagrada, esmagando as forças de Alá e os sobreviventes de Jeová. As estreitas ruas de Jerusalém viraram riachos de sangue. E não foi em sentido figurativo. Depois que os mandados de Godofredo abriram uma brecha no Portão de Herodes, nem os animais domésticos dos infiéis foram poupados pelos invasores. Na ocasião, os cristãos fanatizados perpetraram um massacre de tais proporções que estremeceram para sempre as relações entre cristãos, os opressores, e os muçulmanos e judeus, as vítimas. Nunca tanta hediondez fora cometida em nome de Cristo.


A tolerância de Saladino

 
Em 1187, Saladino, sultão do Egito e da Síria, estimulando todo o povo árabe à Jihad, a um levante sagrado contra os cristãos, conseguiu, graças as suas habilidades guerreiras e às artimanhas diplomáticas, retomá-la dos cruzados. Demorara 88 anos para que um muçulmano voltasse a pôr os pés na no Haram As-Sharif, o monte onde se encontra a Grande Mesquita em Jerusalém. Em seguida, permitiu que os judeus para lá voltassem. Alá, então, foi misericordioso com o povo de Jeová, aceitou que lá abrissem a sinagoga de Ben Najmam em 1267. Mais tarde, com a proteção da Sublime Porta Otomana, Alá reinou quase que absoluto na Cidade Santa por sete séculos seguidos, até a chegada das tropas britânicas. Em 1918, sob o comando do general Allenby, a cidade sagrada foi resgatada dos turcos. Então deu-se a vez do deus cristão voltar a dominar.

O retorno de Jeová
 
 
Jeová enquanto isso preparava-se para voltar. Depois de ter padecido nas mãos da Inquisição do Santo Ofício, de ter sido humilhado nos pogroms dos cristãos ortodoxos no leste europeu, e de ter sido quase exterminado pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, o deus dos judeus começou seu caminho de retorno a Jerusalém. Em cinco de maio de 1948 fundou-se o Estado de Israel. Hoje, é Jeová quem conta com o apoio do seu antigo algoz, o Deus da cristandade, em sua luta contra Alá. Desde então, há mais de meio século, Jerusalém voltou a ser palco de intensas disputas. Os israelenses querem-na por inteiro pelo seu simbolismo, por representar a sua unidade, por ter sido a antiga capital das 12 tribos de Israel. Os árabes, por sua vez, sofrem pesadelos em imaginar que a Esplanada do Templo, da sacrossanta Al Aqsa Mosque, possa vir a cair definitivamente nas mãos dos israelenses. E assim se encontra até hoje a Cidade Santa. O que deveria ser o exemplo da concórdia e da tolerância entre os homens do mundo inteiro tornou-se o seu contrário.


Shalom!

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