terça-feira, 25 de março de 2014

Os apócrifos e a construção do Novo testamento

APÓCRIFOS E A CONSTRUÇÃO DO NOVO TESTAMENTO
Por: Ronaldo Gomes

Como eu disse no estudo acerca do Novo testamento,  o novo testamento traz o cumprimento de profecias do antigo testamento acerca do messias, ou seja, messiânicas.  O leitor que apenas lê o novo testamento tem a certeza de que Jesus esta cumprindo o que os profetas disseram acerca do messias de Israel. Mas quando nós vemos no antigo testamento estas profecias, a maioria não é profecia. São versículos isolados, tirados de seu contexto que não tem nada a ver com o que o messias deveria fazer. Tem até uma profecia contra um mau profeta de Zacarias 13 que figura no novo testamento como se fosse algo que o messias deveria passar. Por exemplo, David disse em seu segundo salmo: "porque conspiram contra IHWH e seu ungido?" referindo-se a sí mesmo e a perseguição que estava sofrendo na época, fugindo do Rei Saul. O ungido no salmo é o próprio David que fora ungido pelo profeta Samuel. E este salmo figura nonovo testamento como se fosse uma profecia do que o messias iria passar. E porque acontece isso?

Profecias citadas no NT que estão diferente no VT








Quando nós vemos os apócrifos do novo testamento que foram encontrados em Quram recentemente, nós vemos de tudo. Desde histórias fantasiosas cheia de mitos e alegorias até histórias bem semelhantes aos sinóticos. O evangelho de Tomé,o didimo, por exemplo, possui 113 frases atribuídas a Jesus, bem semelhantes aos seus ensinamentos nos evangelhos sinóticos que temos em nossas bíblias.




Mas o mais interessante, é que em nenhum desses apócrifos, Nenhum, traz o cumprimento de nenhuma profecia. Nenhum! Todos são narrativas do que Jesus disse e fez, de acordo com a visão do autor, mas nenhum dos autores atribuiu esses fatos o cumprimento de nenhuma profecia.

Por exemplo: No proto-evangelho de Tiago, chamado também de evangelho da natividade, o autor narra o nascimento de Jesus, com os mesmos elementos dos sinóticos. Um nascimento sem concepção sexual, anunciado por anjos e uma fuga para o Egito. Mas a diferença é que o autor não atribui a isso o cumprimento de profecias como os sinóticos. Em Mateus, como temos hoje, a concepção virginal é o cumprimento de Isaias 7, um versículo isolado que não é uma profecia messiânica e nem se refere a um nascimento virginal. no proto-evangelho de Tiago ele só narra o fato e não tenta encaixa-lo em uma profecia.

Isso mostra que esses cumprimentos de profecias, talvez não sejam originais dos autores dos evangelhos, uma vez que a escrita do primeiro século era mais similar a que vemos nos apócrifos, uma narrativa simples e direta. Esse carter apologético só vemos pós segundo segundo, pratica que era  bem comum aos pais da igreja, vide apologia de Justino, de Eusébio, de Irineu, de Inácio etc....

Os evangelistas provavelmente apenas escreviam fatos sobre a vida de Jesus, como os apócrifos atestam, que eram o estilo de escrita da época. Simples. Mas como nós vemos no primeiro século, uma tentativa de convencer os judeus de que Jesus foi o seu messias, os pais da igreja, assim como Paulo de Tarso tentavam mostrar nas escrituras do tanach que Jesus havia sido o messias que havia cumprido as profecias do AT.

Na discussão de Trifon o judeu, com Justino, um pai da igreja, nós vemos isso. Trifon argumenta que se Jesus fosse o messias, que Justino o mostrasse nas escrituras hebraicas, isto é, no antigo testamento. Justino em nenhum momento da discussão, registrada na história, cita os evangelistas alegando o cumprimento de profecias. Por exemplo:

Justino não diz para Trifon: "Olha, Jesus nasceu de uma virgem, para cumprir o oráculo de Isaias 7 como disse Mateus". 

Não, ele não diz isso. E sabe porque? porque o evangelho de Mateus na época de Justino não dizia isso. Se dissesse, Justino poderia o ter usado como argumento, uma vez que o evangelista também era judeu. E sabemos pela patristica que o evangelho segundo Mateus já era conhecido e utilizado no primeiro século, mencionado inclusive por inúmeros pais da igreja.

Como nós sabemos, os evangelhos e o NT inteiro possui uma variação textual enorme, mais de 60 por cento ao todo. Não existe nenhum autógrafo do NT. Isso mostra que eles foram sendo construidos a partir de uma história original, e na época de Justino ainda não havia tal construção. Aliás, nenhum pai da igreja utilizou-se dessa construção como vemos hoje, o que atesta que ainda não havia. isso também nos faz supor que eles viram a necessidade de criar tal apologética, afim de evitar que as pessoas percebessem que nenhum evangelista atribuiu de fato na história de Jesus o cumprimento de nenhuma profecia.

É no minimo estranho que no primeiro século, com todos os evangelhos em mãos, inclusive os que nem temos hoje, que os pais da igreja não se utilizaram da apologia deles referentes ao AT.

Todos manuscritos do NT que temos datam pós segundo século.



Na verdade, o primeiro que começou a fazer tal tipologia, foi Paulo de Tarso em suas epístolas, diferente dos demais apóstolos.

Nas epístolas de Paulo, nós vemos sua constante discussão com os judeus por onde passava, em suas sinagogas e sua tentativa de persuadi-los de que Jesus foi o messias esperado. E para isso, Paulo utiliza-se muito do antigo testamento. Diz que Cristo era o anjo que acompanhava o povo no deserto, que era um novo Adão, a glória que os judeus não podiam ver em Moisés etc.... Tudo isso chama-se tipologia.

Mas nós nunca vemos, em momento algum, Paulo citando os evangelhos. Na verdade, nós observamos que Paulo faz pouco uso dos evangelhos. Isso, segundo os "teólogos", é porque na época de Paulo os evangelhos ainda não haviam sido escritos ou compostos totalmente. Mas os mesmos teólogos atribuem a Paulo junto com Lucas a composição do evangelho de Lucas e o livro de Atos dos apóstolos. E mesmo assim, Paulo não cita em suas epístolas as narrativas que se encontram em lucas.

Sabemos, que de fato, Paulo não conheceu Jesus e sua participação no terceiro evangelho é questionável, uma vez que ele não se utilizou do mesmo para respaldar seus argumentos principalmente o cumprimento de profecias messiânicas por Jesus, o que era mais importante para os judeus. Suas epístolas são criticas e duras, com argumentos pessoais do tipo: "Deus endureceu o coração dos judeus" mas nenhum argumento baseado nos evangelhos. É bem similar a visão de alguns "crentes" de nossos dias. Ao invés de mostrar na escritura o fato utilizam-se de ataques. Tipo assim: "Olha, Jesus cumpriu aqui a profecia de Zacarias entrando em jerusalém, vocês podem verificar". Isso seria uma argumento! Mas ao invés disso: "O deus deste século cegou vocês". Isso, com todo respeito a pessoa de Paulo não convenceria nenhum judeu em época alguma.

Para isso Paulo utilizava-se de muitas tipologias, mas todas do AT, nenhuma dos evangelhos, o que mostra que ou ele não conhecia os evangelhos, ou , a hipótese mais provável, que os evangelhos não traziam tipologia alguma, apenas ensinamentos e feitos de Jesus, como o de Tomé citado acima. E posteriormente, essas associações foram sendo inseridas nos evangelhos para fazer o mesmo que Paulo, tipologia. Para mostrar para os judeus e crentes que Jesus havia cumprido as profecias do AT.

Essa fórmula funciona até hoje!

A maioria dos cristãos, quase todos na verdade, jamais comparam o novo testamento com o velho. Jamais verificam as suas afirmações. Por considerarem o NT um livro sagrado, jamais cogitariam sequer a hipótese desse "livro sagrado" estar mentindo, ou trazendo informações falsas, ainda que esteja. Jamais vão olhar se os profetas disseram mesmo o que o novo testamento diz que eles disseram. Ficam presos em uma matrix religiosa, por medo de tudo. medo de inferno, de perder a salvação (conceito bem diferente no judaísmo) medo de serem castigados etc......

Que Jesus existiu e foi um grande profeta, isso é inegável. Aliás, creio que Jesus atingiu maior popularidade pelo cumprimento de suas profecias acerca da queda Jerusalém (mt 24), a mesma profecia que os cristãos de hoje insistem em dizer que não se cumpriu naquela época!! Irônico não! Por ter acontecido sua profecia, com certeza ele atraiu cada vez mais seguidores e sua história foi sendo escrita de memória de uma forma bem simples. Talvez bem mais simples do que temos hoje em nossas bíblias.

Os papiros mais antigos do NT (não posso me referir a todos) também atestam esta formula simples. Jesus fez isso e disse isso e pronto! Simples! Sem essa confusão de que ele fez isso para cumprir o que um profeta disse. Não, apenas narrativas diretas e simples.

Até frases que os pais da igreja colocaram na boca
de Jesus, seguem acreditando ser de Jesus !


Para finalizar, uma coisa é uma pessoa comprar uma bíblia ferreira de almeida, traduzida e ler ali tudo mastigadinho. Jesus fez isso, cumprindo essa profecia e pronto. Outra coisa é ver uma história crua, narrativa e direta sem associações. Isso muda toda a percepção! Basta ver os apócrifos que não trazem esta associação. O que nos leva a outra questão interessante, de que todo o cristianismo é fruto do catolicismo romano. Se os católicos tivessem montando a bíblia diferente, com relatos diferentes, já que haviam muitos no primeiro século, todo o cristianismo hoje seria diferente, uma vez que ninguém jamais contestou a formação da bíblia. Contestam a igreja católica, mas a formação da bíblia, a escolha dos livros e o conteúdo dos livros nunca é contestado pelos que se denominam protestantes. Até palavras que Jesus nunca disse, mas que os pais da igreja colocaram nos evangelhos eles seguem sem contestar. O que mostra que no fundo, eles são filhos da igreja católica!

Paz a todos! Ronaldo





Um comentário:

  1. Olá Ronaldo, gostaria de lhe enviar um link de um pequeno vídeo que possa te interessar.
    Estou postando aqui porque esqueci seu email, se quiser pode apagar esta mensagem depois.
    Nesse vídeo o Padre Fernando Cardoso fala sobre exegese, crítica textual, materiais originais que o Vaticano tem, etc.
    Achei interessante pois ele fala o mesmo que você sobre a Bíblia que conhecemos hoje: cópia de cópia de cópia de cópia...e ele diz: "afinal, qual é o texto que foi inspirado??"
    Eu gosto das explicações deste padre(apesar de não ser católico) e também do Padre Paulo Ricardo, tenho muita admiração e respeito por eles, mais até que muitos "pastores" por aí...(apesar de também não ser evangélico).
    Enfim...é isso...um abraço a vc meu irmão, Deus o abençoe...o link; https://www.youtube.com/watch?v=nC0RTfuoRSU&list=UUNi8mdrV0svXW0KA6I04aiQ

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